O Estado de S. Paulo, n. 46866, 09/02/2022. Espaço Aberto, p. A8

Visita à Rússia amplia oportunidades ao Brasil

Carlos Alberto Franco França


 

A visita do presidente Jair Bolsonaro a Moscou, a convite do presidente Vladimir Putin, insere-se em contexto de fortalecimento das relações econômicas e políticas com a Rússia, parceiro estratégico do Brasil desde o ano 2000. Potência econômica e científica, a Rússia compartilha com o Brasil a participação em grandes foros como o Brics e o G-20.

O relacionamento bilateral encontra-se aquém do potencial natural entre duas grandes nações que enfrentam desafios de crescimento e prosperidade. A viagem presidencial ocorre na esteira da intensificação de missões de alto nível, como a que realizei em novembro último à capital russa. A visita do presidente Bolsonaro também constituirá oportunidade de retribuir a visita do presidente Putin ao Brasil em 2019, por ocasião da Reunião de Cúpula do Brics.

Brasil e Rússia têm trabalhado para intensificar a cooperação em facilitação de comércio e diversificação da pauta exportadora e dos investimentos, bem como em cooperação científico-tecnológica, espacial, energética e de desenvolvimento sustentável.

Na esfera econômica, há espaço para ampliar e diversificar a corrente comercial e de investimentos. O intercâmbio de bens e serviços, em 2021, alcançou US$ 7,3 bilhões, maior valor dos últimos 13 anos e o segundo maior da história, mas às custas de saldo negativo brasileiro. As exportações do Brasil, concentradas em produtos agrícolas, como soja (cerca da metade das importações russas do produto) e carne, têm-se mantido estáveis nos últimos anos, em torno de US$ 1,5 bilhão.

Essa situação não corresponde ao potencial e aos interesses do Brasil, como tive a oportunidade de sublinhar ao lado russo, em minha visita a Moscou. Em paralelo, empresários russos manifestam interesse cada vez maior em ampliar investimentos em infraestrutura no Brasil, assim como em logística para o agronegócio. É de interesse brasileiro trabalhar pela assinatura de Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimento, para expandir as oportunidades de cooperação, em molde semelhante ao firmado com a Índia, por ocasião da visita de Estado brasileira em janeiro de 2020.

A Rússia é o maior fornecedor brasileiro de adubos e fertilizantes, insumos cruciais de um dos motores da economia brasileira, o agronegócio. Esses produtos têm respondido por quase um quarto das importações brasileiras da Rússia. Em novembro passado, duas semanas antes de minha viagem ao país, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, logrou garantir a continuidade da exportação do insumo ao Brasil, mesmo no atual contexto de escassez e aumento do preço do produto no mercado mundial. A Rússia tem desempenhado um papel decisivo na manutenção da força da agricultura brasileira em todas as suas vertentes.

A elevação das relações com a Rússia é decorrência natural da importância que cada parceiro atribui ao outro nos âmbitos bilateral, regional e multilateral. É claro que cada país avalie a configuração política e econômica internacional com base em interesses nacionalmente definidos. Mas grandes nações, como Brasil e Rússia, colegas no Conselho de Segurança em 2022-23, têm a responsabilidade de debater os rumos de uma ordem internacional cada vez mais complexa e multipolar. Isso é feito com base no compromisso com a Carta das Nações Unidas e com o direito internacional, como é obrigação de todos, na soberania nacional e no respeito à pluralidade de modelos de desenvolvimento.

A missão ocorre em momento marcado por tensões ao longo da fronteira russoucraniana, que suscitam apreensões legítimas na opinião pública brasileira. A postura do Brasil se ampara solidamente em nossa tradição diplomática. Em 31 de janeiro passado, nós a expressamos em reunião do Conselho de Segurança, proposta pelos Estados Unidos, com o voto favorável do Brasil.

Na ocasião, o Brasil exortou as partes envolvidas, na região e fora dela, a rejeitar o uso da força, evitar medidas unilaterais e descartar cursos de ação contrários à Carta das Nações Unidas. Defendemos soluções de longo prazo, obtidas por meio de medidas de construção de confiança e pelo engajamento recíproco em boa-fé. Os Acordos de Minsk e a Resolução 2202 do mesmo Conselho de Segurança, ambos de 2015, oferecem a base para a contenção das tensões e restauração dos laços de confiança, além de medidas complementares que as partes interessadas possam alcançar pela negociação.

Como desdobramento da visita a Moscou, trabalhamos pela realização, em abril próximo, de nova sessão da Comissão Brasileiro-russa de Cooperação (CAN), instituída em 1997 e fortalecida em 2000, com o estabelecimento da parceria estratégica bilateral. A Comissão se reunirá no Brasil em formato presencial e dará seguimento aos entendimentos alcançados entre os mandatários brasileiro e russo, propiciando melhores resultados a um grande relacionamento que estamos em vias de revigorar.