O Globo, n. 31518, 22/11/2019. País, p. 4

Partido família
Jussara Soares
Gustavo Maia
Naira Trindade


Com pregação contra o aborto e críticas à atuação do Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem a criação do Aliança pelo Brasil, partido que ele mesmo presidirá e terá ainda outros dois filhos em postos de comando. Definida por seus filiados como “soberanista”, a legenda terá o senador Flávio Bolsonaro, o primogênito, como vice-presidente. Na comissão provisória de trabalho do partido está o filho homem mais novo, Jair Renan.

Bolsonaro escolheu o número 38 para o partido, o mesmo do calibre de um revólver, num claro sinal da linha política da sigla.

— O número escolhido é o 38. Acho que é um bom número, né? Não tinha muitas opções. O número 38 é um número mais fácil de gravar — disse Bolsonaro, em transmissão ao vivo na internet, na noite de ontem.

Dois assessores do seu gabinete no Palácio do Planalto, Sérgio Rocha Cordeiro e Tércio Arnaud, também vão fazer parte da comissão provisória do partido. Assessor do deputado Eduardo Bolsonaro, Carlos Eduardo Guimarães também está no grupo. Completam a cúpula da agremiação partidária o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Admar Gonzaga, que será o primeiro-secretário, e a advogada Karina Kufa, tesoureira.

Para a Aliança ser reconhecida formalmente como um partido político, será preciso colher quase 500 mil assinaturas. Embora não haja previsão legal, o presidente vai insistir na coleta de apoios por meio digital. Antes do evento, Flávio Bolsonaro afirmou que até o fim do ano a equipe já terá as assinaturas necessárias para a homologação da legenda. Ele disse estar confiante que o TSE aceitará as assinaturas digitais.

— Não tem sentido (ter assinatura física), a gente tem cadastramento biométrico de 75% dos eleitores brasileiros. Temos a convicção que o TSE vai colher as assinaturas por biometria, o que vai facilitar o trabalho de todo mundo. Imagina mobilizar funcionários de todos os cartórios do Brasil se a gente já tem a biometria — defendeu o senador.

Mais cedo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o partido não deve disputar as próximas eleições caso não sejam aceitas assinaturas de forma eletrônica.

Lido na convenção nacional do Aliança pelo Brasil, o programa do partido que Bolsonaro tenta criar define a legenda como “soberanista”, que refuta as “falsas promessas do globalismo”, e trata o aborto como “uma traição social”. A justificativa é que todos que defendem a interrupção da gestação já nasceram. O evento foi realizado num hotel de luxo em Brasília. Em uma das entradas, chamava atenção uma escultura com o logotipo do partido composto por projéteis. No programa, a sigla “se compromete a lutar incansavelmente até que todos os brasileiros possam ter plenamente garantido seu direito inalienável de possuir e portar armas”.

— Em 2018, o povo deu o norte da nova representação política que buscou ao sair às ruas, baseada na verdade, na sinceridade e na conservação dos valores fundamentais da alma brasileira — leu a advogada Karina Kufa, uma das idealizadoras do partido.

O programa da legenda repudia o aborto “sob todas as suas formas”, destacando que é uma “cultura da morte”. “O assassinato deliberado de uma criança inocente e indefesa é a inversão absoluta da ordem, pois o valor da vida é relativizado e os mais frágeis se tornam os mais violentados, ao invés dos mais protegidos”, diz o texto.

LIMITE AO JUDICIÁRIO

Um dos tópicos do programa prega o combate ao que chama de “ativismo judicial” e “bandidos que estejam no poder — munidos de armas ou de canetas”. O documento também defende a limitação do Poder Judiciário. As observações são feitas dentro da exposição da legenda sobre garantia da ordem, da representação política e da segurança.

“É imprescindível, aliás, o combate ao chamado ‘ativismo judicial’, fenômeno de usurpação do Poder Legislativo, e de violação à separação dos poderes, por meio do qual é desrespeitada a legítima vontade popular exercitada diretamente ou por meio de seus representantes eleitos, inclusive, através de seus silêncios, quando o povo ou seus representantes decidem não legislar sobre algo ou rejeitar proposta legislativa sobre algum tema”, aponta o programa.

No texto, há inúmeras menções a Deus e ao cristianismo, que dão ao programa tom religioso. “A relação entre esta Nação e Cristo é intrínseca, fundante e inseparável”, diz um trecho. “O partido toma como se usos valores fundantes do Evangelho e da Civilização Ocidental, herde irado virtuoso encontro entre as cidades de Jerusalém, de Atenas e de Roma, ciente de que o povo brasileiro acredita que Deu sé o garantidor do verdadeiro desenvolvimento humano (...), aponta outra passagem do programa.

Paulo Octávio cedeu auditório

> Em seu discurso no lançamento do Aliança pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro fez questão de agradecer ao empresário Paulo Octávio por ter cedido o auditório do Hotel Royal Tulip para a primeira convenção nacional de seu novo partido. O empresário acumula denúncias de corrupção: em 2010, renunciou ao mandato de vice-governador do Distrito Federal após acusação de envolvimento no mensalão do DEM. Já em 2014, foi preso suspeito de participar de esquema de corrupção de agentes públicos para a concessão de alvarás. Ele nega as denúncias.

> Atual presidente do PSD no Distrito Federal, partido de Gilberto Kassab, o empresário recepcionou Bolsonaro na chegada ao hotel. Paulo Octávio disse que não se filiará ao Aliança e afirmou ter muito carinho pelo presidente, com quem teve contato na Câmara, quando ambos eram deputados. Sobre as investigações, que tramitam no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Octávio disse: — Sou um homem que não tenho nenhuma condenação. Sou virgem, chegar aos 70 anos, virgem e tendo sido político há 20 anos e empresário há 45 anos é uma proeza.

> Sem revelar o valor, o empresário disse que o espaço foi alugado pelo empresário Luiz Felipe Belmonte, que vai assumir o diretório do Aliança no Distrito Federal.