O Globo, n. 31468, 03/10/2019. Economia, p. 15

Articulação política em questão

Geralda Doca
Renata Vieira


O Senado concluiu ontem a votação da reforma da Previdência, em primeiro turno, mas ainda não há acordo para o segundo turno. Disputas políticas e interesses regionais já levaram ao atraso da votação em uma semana e à perda de R$ 76,4 bilhões na economia prevista em dez anos, por causa de um destaque sobre o abono salarial. Agora, governo e lideranças do Senado tentam um acordo para manter o cronograma estipulado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de aprovar o texto em definitivo a indana primeira quinze nade outubro—ainda que o próprio Alcolumbre já tenha admitido que pode ocorrer depois.

As discussões giram em torno da definição da divisão entre estados e municípios dos recursos a serem arrecadados com o megaleilão do pré-sal, previsto para novembro. Líderes partidários, sobretudo do Norte e Nordeste, querem que o Executivo baixe uma medida provisória (MP) para assegurar esse critério ainda este ano. A proposta de emenda à Constituição (PEC) da cessão onerosa, que trata dessa repartição, ainda precisa ser votada pela Câmara, que insiste em mexer nos critérios definidos pelo Senado.

Alcolumbre admitiu que a votação do segundo turno pode atrasar e ficar para a segunda quinzena de outubro. Mas assegurou que tentará fechar um acordo com os senadores para quebrar o prazo regimental de intervalo entre as sessões, o chamado interstício, e fazer a votação na próxima quarta-feira. Ele, porém, tem sinalizado o dia 15 de outubro como prazo mais viável e, ao admitir adiamento, já visualiza a segunda quinzena.

—Vou tentar conversar com todos os líderes contrários à quebra do interstício e mostrar que, se nós tivéssemos votado no dia de ontem (terça-feira), o prazo (para o segundo turno) seria quarta-feira. Se os senadores compreenderem que não é razoável quebrar o interstício, vamos ter que adiar (a votação) da semana que vem para a próxima semana —disse Alcolumbre.

‘Não é um resultado ruim’

A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MDB-MS), admite que ainda é preciso um acordo entre Senado e Câmara sobre a cessão onerosa, para garantir a votação, mas procurou mostrar-se otimista quanto a terminar esse processo na semana que vem.

Com as modificações feitas pelo Senado, a reforma resultará em um ganho fiscal para a União de R$ 800 bilhões em dez anos, contra R$ 876,7 bilhões previstos no texto aprovado pela CCJ. A cifra ficou distante daquela desejada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de R$ 1 trilhão.

— A reforma caminhando cada vez mais longe de uma economia de R$ 1 trilhão gera frustrações, fazendo com que o mercado fique pressionado —disse Maurício Pedrosa, estrategista da gestora Áfira.

Ainda assim, a projeção de um impacto fiscal de R$ 800 bilhões em dez anos continua positiva, avalia o economista Luis Eduardo Afonso, da USP:

— Dentro do possível, esta cifra não é um resultado ruim. Dada a atual situação fiscal do Brasil, qualquer economia é bem-vinda.

Reação do governo

A equipe econômica foi surpreendida por senadores das bancadas que a poiam o governo,que se uniram à oposição e mantiveram as regras do abono salarial. Depois da derrota, o governo reagiu para evitar novas desidratações. O secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, reuniu-se ontem logo cedo com senadores para reorganizara base de apoio do governo:

—Hoje (ontem) houve uma conjunção de esforços dos líderes que estão ma Casa, juntamente com o líder Fernando Bezerra Coelho (DEM-PE). O governo trabalhou, os ministros todos se empenharam.

O esforço deu resultado. Dos destaques pendentes, três foram retirados e outros três, derrubados. O governo estima que, se os seis destaques fossem aprovados, a economia cairia em R$ 476 bilhões. Pelo regimento do Senado, no segundo turno será possível apenas fazer emendas de redação ou supressivas.

Marinho disse que o governo pode atuar para evitar que a disputa entre Câmara e Senado em torno da divisão dos recursos do megaleilão prejudique a votação final da reforma da Previdência. Mas ressaltou que “uma pauta não podes e misturar coma outra ”.

Para o economista José Márcio Camargo, coma aprovação da reforma na Câmara, criou se a expectativa de que as outras propostas viriam na sequência e teriam uma tramitação mais rápida. Isso mudou:

— Começam a surgir questionamentos a respeito do que esperar das outras reformas. Não estava no radar que o Senado ia mudar algum trecho da Previdência —disse.

“Não estava no radar que o Senado ia mudar algum trecho da Previdência”

José Márcio Camargo, economista

“A reforma caminhando cada vez mais longe de uma economia de R$ 1 trilhão gera frustrações”

Maurício Pedrosa, estrategista da gestora Áfira