O Globo, n. 31468, 03/10/2019. Economia, p. 16

Após derrota, Guedes ameaça dar menos verbas

Manoel Ventura


O ministro da Economia, Paulo Guedes, reagiu de forma negativa ontem à decisão do Senado de reduzir em R$ 76,4 bilhões a economia esperada com a reforma da Previdência e pode partir para a retaliação. Ele mandou sua equipe refazer as contas do novo pacto federativo, projeto prometido e prestes a ser lançado pelo próprio ministro. Esse pacto prevê mais recursos para estados e municípios, mas Guedes pretende agora compensar a economia menor com a reforma destinando menos verbas a governos regionais.

Os senadores aprovaram na noite de terça-feira um destaque — proposta de mudança feita pelos parlamentares ao texto-base — que mantém as regras atuais do abono salarial, reduzindo a economia fiscal com a reforma em R$ 76,4 bilhões ao longo de dez anos, para R$ 800 bilhões.

A aprovação do destaque foi recebida com frustração por integrantes da equipe econômica, que já comemoravam o avanço do texto principal no Senado. Logo após a votação, Guedes pediu aos técnicos para refazerem as contas do pacto federativo, segundo uma fonte a par do assunto, e o projeto pode ser desidratado.

A ordem é que “cada bilhão” retirado da reforma da Previdência seja descontado do valor que seria repassado aos governos regionais no pacto federativo.

Inicialmente, a ideia do ministro era compartilhar R$ 500 bilhões com os governos em 15 anos. Com uma economia menor para a União, porém, seria preciso também reduzir o valor que seria destinado aos governos regionais, na avaliação de Guedes.

Apesar do pedido, que pode desidratar o pacto federativo, o ministro disse a pessoas próximas que não tem a intenção de travar uma guerra com o Congresso. Seu discurso é que a situação o obriga a compensar as perdas com a Previdência.

Ontem, Guedes cancelou uma série de reuniões com senadores depois da derrota do governo. O ministro tinha reuniões marcadas com as bancadas de PSD, PP e MDB e iria receber 28 senadores.

Maia: ‘desrespeito’

Outro foco de tensão entre senadores e governo é a divisão de recursos do megaleilão de petróleo, cuja receita será repartida com estados e municípios. Antes de se reunir com Guedes no início da noite, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que eventual medida provisória (MP) para definir essa divisão seria um “desrespeito” com o Legislativo.

A estratégia de usar uma MP, em vez de uma PEC, foi considerada pelo governo para evitar atrasos na apreciação da reforma da Previdência em segundo turno no Senado. Uma medida provisória entra em vigor antes mesmo de ser votada no Legislativo.

O governo prevê arrecadar R$ 106,5 bilhões com o leilão, dos quais R$ 72,8 bilhões ficarão com União, estados e municípios. A divisão desse valor é alvo de disputa entre Câmara e Senado. Senadores querem a edição de uma MP para definir os critérios de rateio dos recursos, enquanto a Câmara trata o tema via proposta de emenda à Constituição (PEC).

— A Câmara votou uma regra, o Senado aprimorou a regra. Se o governo intervier agora, me parece um desrespeito do Executivo com o Legislativo — afirmou Maia. (Colaboraram Gabriel Shino hara e Natália Portinari)