O Globo, n. 31518, 22/11/2019. Economia, p. 23

Governo deve deixar reforma administrativa para ano que vem
Manoel Ventura


O envio da projeto de reforma administrativa, que muda regras para novos servidores, só deve acontecer em 2020, segundo fontes envolvidas nas negociações. Depois de enviar três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com profundas mudanças no Orçamento público, há um temor de que a pauta legislativa fique congestionada. O governo não quer, segundo fontes, que essa pauta, já presente no Congresso, seja ofuscada pela reforma administrativa — que deve sofrer resistência dos servidores.

O presidente Jair Bolsonaro pediu cautela aos integrantes da equipe econômica na construção das mudanças na carreira do servidor. O foco deve ser a tentativa de blindar todas as pautas econômicas e ver tudo aprovado no próximo ano.

A ala política do governo entendeu que enviar a proposta ao Congresso neste momento poderia gerar desgaste muito grande e criar uma insatisfação com o Executivo, mesmo que nada seja alterado para os atuais funcionários públicos. Além disso, a avaliação é que hoje o clima está mais favorável para discutir a reforma tributária. A comissão mista, composta por deputados e senadores, para discutir essa proposta deve ser formada na próxima semana. O governo pretende enviar o seu projeto de mudança no sistema de impostos para essa comissão.

DESPESA SUPERIOR A R$ 300 BI

Outro ponto observado dentro do governo foi a quantidade de medidas enviadas nos últimos dias, entre elas três Propostas de Emenda à Constituição (PEC), que compõem o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, chama de agenda de transformação do Estado.

Com a reforma administrativa, o governo quer reduzir o que considera privilégios de algumas categorias de servidores e cortar as despesas com pessoal, o segundo maior gasto do Executivo, depois da Previdência. Só no ano passado, as despesas com funcionários ativos superaram os R$ 300 bilhões. A ideia é enxugar a máquina pública.

O ministro avalia que há injustiças e privilégios que precisam ser corrigidos, e que esse projeto é uma das mudanças mais claras para a população. Entre os pontos em estudo, está a redução do número de carreiras, progressão mais lenta, e mudanças nas regras de estabilidade para algumas funções. A equipe econômica também estuda formas de aprimorar o sistema de análise de desempenho, o que, em tese, facilitaria a exoneração de servidores que não estiverem atendendo às expectativas.

O governo quer montar uma estratégia para que nenhuma das medidas propostas por Guedes seja rejeitada pelo Congresso. A avaliação hoje é que as propostas, de maneira geral, foram bem recebidas por deputados e senadores. Uma das PECs, a que trata da extinção de fundos públicos, deve ser votada pelo plenário do Senado ainda neste ano.

TAXAR SEGURO-DESEMPREGO

A medida provisória (MP) que criou o programa Verde-Amarelo para estimular a contratação de jovens, que tem taxa de desemprego próxima a 25%, foi considerada um exemplo de como é preciso ter cuidado, dentro do governo, ao lançar as propostas ao Congresso, mesmo que a pauta seja positiva.

A proposta veio com outras ações que foram vistas como negativas, dentro e fora do Congresso, a ponto de neutralizar o eventual impacto positivo para trabalhadores de até 29 anos, os que vão se beneficiar do programa.

Uma das medidas mais criticadas é taxar os trabalhadores que recebem o seguro-desemprego. A MP embutiu uma nova reforma trabalhista com propostas inclusive já rejeitadas pelo Congresso — como o trabalho aos domingos. Uma crítica, inclusive de aliados do governo, é que as medidas trabalhistas contidas nessa MP só ficaram conhecidas de maneira ampla apenas após ela ter sido apresentada ao Congresso.

Deputados e senadores reclamaram também de terem recebido tantas mudanças por meio de uma MP e não projeto de lei. Por isso, já há previsão de que a MP Verde-Amarela seja desidratada pelo Congresso. Essa discussão, porém, só deve ganhar força após o recesso parlamentar. O Congresso entra de férias no dia 14 de dezembro e só retoma os trabalhos em fevereiro. É quando deputados e senadores devem ter fechado o texto que efetivamente será aprovado.

BASES ELEITORAIS

O governo planeja ainda uma estratégia para conseguir ampliar o apoio para as reformas. O Ministério da Economia deve enviar, na semana que vem, mudança no Orçamento de 2020 para abrir um espaço para gastos de R$ 10 a R$ 13 bilhões — ampliando o espaço de investimento e custeio da máquina para R$ 100 bilhões. Uma alternativa é deixar para os parlamentares decidirem onde o dinheiro será gasto. Com isso, eles poderiam direcionar mais verba para ações que eles considerem prioritárias ou em suas bases eleitorais.