O Globo, n. 31469, 04/10/2019. País, p. 6

‘Auto de resistência é sinal que o policial trabalha’

Gustavo Maia
Jailton de Carvalho


Em discurso durante a cerimônia de lançamento da campanha publicitária do pacote anticrime, no Palácio do Planalto o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que o auto de resistência — morte em decorrência de confronto com agentes do Estado— é sinal de que os policiais estão fazendo seu trabalho.

O presidente reclamava do que chamou de ativismo em órgãos da Justiça, do Ministério Público (MP) ou da política para transformar mortes cometidas por policiais em execução.

— É doloroso você ver um policial, chefe de família, preso por causa disso. Muitas vezes a gente vê que um policial militar, que é mais conhecido, né, ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50! É sinal que ele trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu. Ou queria que nós providenciássemos empregos para a viúva? — disse Bolsonaro, que defendeu mudança na legislação.

O presidente relatou ter visitado diversas vezes o presídio da Polícia Militar em Benfica, no Rio. Ele afirmou ter “certeza” de que lá dentro havia muitos inocentes:

— Tinha culpado? Tinha. Mas também tinha muito inocente. Basicamente por causa de quê? Excesso. Pode de madrugada, na troca de tiro com o marginal, se o policial dá mais de dois tiros, ele ser condenado por excesso? Um absurdo isso daí. Mais ainda, o ativismo em alguns órgãos da Justiça, do MP, né, na política buscar cada vez mais transformar auto de resistência em execução

Na mesma solenidade, o ministro da Justiça, Sergio Moro, pediu que o Congresso aprove o pacote anticrime elaborado por ele para reforçar o combate à corrupção e a criminalidade violenta.

Para o ministro, o governo vem adotando medidas duras contra a violência e a impunidade. Mas ele disse considerar importante que deputados e senadores se alinhem a esse esforço:

— Ações executivas são importantes, mas mudanças legislativas são igualmente fundamentais para que não só o governo, mas também o Congresso possa mandar mensagem para a sociedade de que os tempos do Brasil sem lei e sem justiça chegaram ao fim, que o crime não compensa, que não seremos mais um paraíso para prática de crimes ou para criminosos.

O pacote anticrime está em tramitação na Câmara desde março. Pelo menos dez itens do plano foram rejeitados por um grupo de trabalho criado para analisar as propostas. O ministro minimiza as derrotas contando que serão revertidas na votação no plenário da Casa.

Como mostrou O GLOBO na semana passada, a campanha publicitária do governo em defesa do pacote anticrime resultará num gasto de pelo menos R$ 10 milhões. Está prevista a divulgação de filmetes no quais familiares de vítimas relatam dolorosas experiências com a violência urbana. Inicialmente, a campanha, direcionada para televisão, rádio, cinema, internet e mobiliário urbano, estava prevista para estrear em junho.

Casos reais

Os vídeos usam depoimentos e casos reais de vítimas de violência para demonstrar o efeito da impunidade de pontos abordados no projeto, como prisão após condenação em segunda instância ou pelo Tribunal do Júri, e “saidão” de presos.

A campanha terá seis vídeos. Duas mulheres e um homem protagonizam as peças: Virginia fala do marido, delegado da Polícia Federal, que teria sido morto em um assalto por um criminoso liberado temporariamente durante o feriado do Dia das Mães; Luísa, do criminoso que atacou seu marido a facadas e não foi preso mesmo depois de ser condenado em segunda instância; e Rafael, do assassinato do pai, cujo autor teria sido visto na rua após condenação pelo Tribunal do Júri.

“A gente vê um policial ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50!

Presidente Jair Bolsonaro

“Mudanças legislativas são fundamentais para que o Congresso possa mandar mensagem para a sociedade de que os tempos do Brasil sem lei e sem justiça chegaram ao fim”

Sergio Moro, ministro da Justiça