Título: Baixada sob o estigma da violência
Autor: Florença Mazza e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 03/04/2005, Rio, p. A25

A chacina de quinta-feira, que deixou 30 mortos na Baixada Fluminense e superou a tragédia de Vigário Geral, em 1993, trouxe de volta o medo de que a violência e os acertos de conta na base da pólvora dominem a região novamente. Com fortes indícios de participação de policiais, os assassinatos em seqüência em Queimados e Nova Iguaçu ocorreram no momento em que autoridades de segurança ainda lutam para resolver casos recentes, como as mortes da líder comunitária Hilda Prado, de Duque de Caxias, morta na porta de casa com seis tiros; e do ambientalista Dionísio Julio Ribeiro Filho, também assassinado. - Há um bom tempo eu dizia que preferia andar a pé por bairros da Baixada Fluminense do que pela capital do estado. A Baixada tinha perdido um pouco a imagem associada à violência. Hoje eu acho que o quadro está mudando. Tudo o que foi conquistado parece ter se perdido em pouco tempo. E a polícia está trabalhando sem condições, o que torna o dia-a-dia mais inseguro ainda - comenta a deputada estadual Andréia Zito (PSDB).

Para o sociólogo Michel Misse, no entanto, a chacina da semana passada é ''um ponto fora da curva''. Nos últimos anos, houve um declínio do número de delitos importantes por lá, como aponta Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):

- Não é uma questão de achar que a violência aumentou ou diminuiu. É uma questão de observar fatos e dados - explica.

O sociólogo cita uma pesquisa feita pelo NECVU que mostra, por exemplo, a queda da taxa de homicídios dolosos nos últimos 13 anos. Em 1995, houve um pico de mortes, mas de lá até hoje esse índice vem caindo. A proporção era de 81,5 casos para cada 100 mil habitantes naquele ano, que foram gradualmente baixando até chegar a 50,4 por 100 mil no ano passado.

Marcelo Freixo, pesquisador da ONG Justiça Global, afirma que a violência da região não mudou:

- Não sei se a região deixou de ser violenta em algum momento. Se essas mortes tivessem acontecido uma em cada dia, ninguém saberia, nenhum de nós estaria debatendo esse crime. Essa chacina mostra que a Baixada continua sendo a mesma. Mas é bom saber também esse não é um caso isolado - alerta.

Freixo diz que o caso confirma um processo de violência policial que se acentua principalmente em regiões mais pobres do estado, como a Baixada e parte da Zona Oeste.

- Foi um crime motivado pela ação de um comandante que começou a combater práticas policiais erradas. Não sei até que ponto isso é uma questão só do batalhão de Caxias - completa.

Para Mauro Santos, educador da Federação de Orgãos para Assistencia Social e Educacional (Fase), ONG que trabalha com a população da Baixada, a violência da região é comparável à das favelas do Rio de Janeiro:

- Há diferenças, mas o abandono é o mesmo. Na Baixada, a ação do poder público é quase um favor - afirma.