Título: Unidas pela dor, famílias pedem justiça
Autor: Florença Mazza e Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 03/04/2005, Rio, p. A25

Grupos de defesa dos direitos humanos e parentes de vítimas da chacina organizam atos pela paz na Baixada e no Rio

A batida seca de um surdo se repetiu 30 vezes na Catedral de Santo Antônio, em Nova Iguaçu, antecedendo o nome de cada uma das vítimas da maior chacina do estado. Parentes, líderes comunitários e representantes de movimentos de defesa dos direitos humanos se reuniram para lembrar, no Centro de Nova Iguaçu, os mortos do crime que chocou o Brasil e o mundo. A celebração, que teve início às 15h30 com um minuto de silêncio, foi marcada por manifestações de dor e pedidos de justiça. Antes de se despedir dos cerca de 500 participantes, o bispo Luciano Bergamin, da diocese de Nova Iguaçu, comunicou o falecimento do papa João Paulo II e rezou uma Ave Maria. - Vamos pedir que, como o papa, todas as vítimas da chacina possam chegar até Deus e serem acolhidas por ele - disse.

Mãe do menino Douglas Felipe Brasil de Paula, 14 anos, assassinado enquanto jogava fliperama em um bar da Rua Gama, em Queimados, Suzana Xavier Brasil, 29, recebeu o apoio de quem conhece bem a dor da perda. Iracilda Siqueira, 48 anos, viúva de uma das vítimas da chacina de Vigário Geral, acompanhou a missa ao lado de Suzana.

- Você tem que ser forte porque, mais do que nunca, seus filhos precisam de você. A dor que ela sente é a nossa. No dia em que se completavam 11 anos e sete meses do enterro do meu marido, aconteceu outra chacina. Onde nós vamos parar? - perguntou Iracilda, que se uniu aos parentes das vítimas da Baixada para pedir paz e justiça.

Durante a missa, os nomes dos mortos nos assassinatos em série cometidos em Queimados e em Nova Iguaçu foram colocados em papéis no chão, em frente ao altar. Os cartazes foram depois colados na grade da catedral.

Mais cedo, no cemitério Jardim da Saudade, em Mesquita, Carlos Alberto Santos Couto, 42 anos, pai do estudante Rafael Silva Couto, 17 anos, uma vítima da chacina, pedia justiça. Na cerimônia de sepultamento do jovem, o clima era de consternação. Rafael foi assassinado quando andava de bicicleta na Rodovia Presidente Dutra, em Nova Iguaçu. Ele voltava para o bairro Cerâmica, onde morava, depois pegar uma peça de bicicleta na casa de um amigo.

- Entreguei a minha arma para essa polícia podre que não serve para nada. Hei de ver esses assassinos pagando, cortados e decepados. Meu filho era um jovem trabalhador, tinha uma vida bonita pela frente - desabafou Carlos.

Segundo Luciana Silva, 36, tia de Rafael, depois de atirar contra o rapaz, os assassinos voltaram e deram mais um tiro para garantir a execução.

Ontem, outras quatro vítimas da chacina também foram enterradas em cemitérios de Nova Iguaçu e Queimados. Após o enterro de Francisco José da Silva Neto e Marcos Vinícius de Cipriano no cemitério da Jaqueira, em Queimados, pela manhã, moradores e parentes fizeram protestos e homenagens às vítimas da chacina. Com cartazes e fotos, eles caminharam da Praça Nossa Senhora da Conceição até o Campo da Banha, um dos locais da tragédia, cantando hinos religiosos e fazendo preces.

Hoje, na decisão da Taça Rio, no Maracanã, os jogadores vão exibir uma faixa com a inscrição ''vamos torcer pela paz'' e entrarão de mãos dadas. No próximo sábado, membros dos grupos Mães do Rio, Deixe me identificar, Desarme-se e Viva Rio vão fazer uma caminhada pela paz no centro de Nova Iguaçu. E, no dia 15, uma manifestação que partirá da Candelária vai reunir entidades e famílias no movimento ''Violência policial nas comunidades: o próximo pode ser você''.