O Globo, n. 31542, 16/12/2019. Sociedade, p. 26

Futuro do clima terá ponto crucial em 2020

Rafael Garcia


O ano de 2020 é provavelmente o momento crucial para o planeta no combate ao aquecimento global. É nele que os países devem definir como (e se) suas metas de corte de CO2 serão ampliadas, para apresentação na COP-26, em Glasgow. E a ciência do clima aponta que o próximo ano é o prazo limite para as emissões de gases do efeito estufa começarem a cair.

Para entender como o planeta vai reagir à interferência humana, cientistas têm usado quatro diferentes cenários de simulação do futuro, encomendados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Conhecidos no meio acadêmico por siglas (RCP2.6, RCP4.5, RCP6.0 e RCP8.5), eles podem ser descritos apenas como “regular”, “ruim”, “péssimo” e “catastrófico”.

Para os cientistas, “regular” é um cenário que impeça o mundo de ganhar mais que 2°C em temperatura média. O cenário que era considerado “bom”, capaz de manter o acréscimo de temperatura global abaixo de 1,5°C, já é praticamente inviável, porque requer um corte próximo a 50% em dez anos e o emprego maciço de tecnologias para absorver CO2 na segunda metade do século, não apenas um freio na emissão.

O desafio em questão é que o Acordo de Paris para redução de emissões, mesmo tendo sido um marco diplomático, ainda é insuficiente para que o planeta fique abaixo da marca de +2°C até 2100. Exceder esse limite significa, por exemplo, um aumento global de 40% em chuvas torrenciais, o dobro de impacto na produtividade de alguns cultivares e 25% mais de aumento no nível do mar, comparado ao um aquecimento de 1,5°C.

Cenário catastrófico

Em um regime de emissões limitado apenas pelos compromissos assumidos em Paris, o planeta aumentaria a sua produção anual de gases estufa de 36 para 39 gigatoneladas de CO2, e ficaria nesse patamar. Os cortes de longo prazo, porém, ainda não foram definidos e, com os EUA deixando o acordo, a perspectiva é sombria.

— Não há a menor duvida que estamos indo além do pior cenário desenhado pelo IPCC — afirma o físico Paulo Artaxo, climatologista brasileiro que integra corpo de cientistas planejando o próximo relatório do painel do clima. — O planeta está indo, agora, na direção de um aquecimento da ordem de 4°C a 5°C em média.

Se o planeta realmente continuar na trajetória do cenário “catastrófico”, as temperaturas em áreas continentais se aqueceriam ainda mais do que a média da superfície terrestre, subindo de 5°C a 6°C. Isso significaria perdas ampliadas para produção de alimentos. O nível do mar subiria uma média de 63 centímetros, ou 56% mais que no cenário “razoável”.

Para que o planeta entre no cenário “razoável” e segure o aquecimento em 2°C, seria preciso cortar emissões em cerca de 7% ao ano e chegar a 2050 com 80% menos emissões do que hoje. No ano passado, porém, foi registrado um aumento de 2%, e neste ano deve ocorrer novo aumento, de 0,5%.

A tendência começa a fazer o IPCC repensar a maneira como projeta o futuro. Segundo Artaxo, a principal colaboração do próximo relatório (2021) não deve mais ser na compreensão da mitigação do aquecimento global (o corte de emissões), mas sim na adaptação ao futuro sombrio.

— Continuar no cenário em que estamos, tanto de desmatamento quanto de emissão de combustíveis fósseis, é uma trajetória suicida para a humanidade — diz Artaxo.