O Globo, n. 31516, 20/11/2019. Economia, p. 23

Leilão do 5G
Manoel Ventura
Eliane Oliveira 
Bruno Rosa


O leilão de frequências 5G colocou o Brasil no meio da disputa entre Estados Unidos e China para a implementação global da tecnologia. O governo decidiu tirar do âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Ministério das Comunicações a formatação do certame. Coma mudança, as decisões técnicas e apolítica da licitação ficarão a cargo do Palácio do Planalto. O Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos( P PI ), departamento de concessões e privatizações do Executivo federal, incluiu o leilão na lista de projetos prioritários.

A decisão foi anunciada um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro se reunir com Yao Wei, o principal executivo da Huawei. A gigante chinesa é acusada pelos Estados Unidos de espionagem e roubo de dados. A companhia busca o apoio do governo brasileiro para que as operadoras interessadas no leilão possam escolher livremente fornecedores de rede e prestadores de serviços. Segundo fontes, a Huaw eis e ofereceu para acelerar a instalação da tecnologia no país, com acordos para facilitar o financiamento a teles junto a bancos chineses na aquisição de equipamentos.

INVESTIMENTO DE R$ 20 BI

De outro lado, os EUA pressionam para que países como o Brasil vetem a Huawei na construção das redes de infraestrutura com o argumento da segurança de informações.

Mas não há predisposição do governo brasileiro em vetar a Huawei. Em estimativas prévias, o governo previu ontem, pela primeira vez, investimento anual de R$ 20 bilhões com a implementação da infraestrutura 5G no país a partir de 2021.

Ao incluir o 5G no PPI, o governo sinaliza que dará prioridade política para o leilão, pois o processo vai ter participação direta do Planalto. O PPI é a carteira de projetos que o governo oferece para a iniciativa privada, com apresentações sobre os temas ao redor do mundo. Diante de uma disputa entre seus dois principais parceiros comerciais, o governo entendeu que este seria o melhor caminho para evitar que o posicionamento brasileiro seja interpretado como uma desfeita, uma ofensa ou um distanciamento do país que perder esse cabo de guerra. A orientação, segundo fontes, é que os argumentos para decisões sejam “estritamente técnicos e irretocáveis”.

A Huawei é uma das maiores fornecedoras mundiais de tecnologia para 5G e tem como principais concorrentes a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia. Uma fonte ressaltou que o governo quer ter a garantia de que a solução atenderá aos interesses do país em áreas como desenvolvimento econômico, eficiência industrial, medicina e entretenimento.

No mapa-múndi da disputa pelo 5G, a Ericsson conta com 23 redes ativas de 5G em 14 países, somando 70 contratos. O destaque são acordos com as teles americanas como T-Mobile, Sprint, AT&T e Verizon. A Nokia tem 16 redes ativas mundo afora e 49 contratos. Já a Huawei tem mais de 60 contratos comerciais de 5G com

operadoras em todo o mundo, em países da Ásia, Europa e América Latina. Já são 30 países. A empresa, embalada pelos contratos com operadoras da China, já produziu mais de meio milhão de antenas 5G.

No Brasil, a companhia chinesa é a principal parceira das operadoras brasileiras em eventos de testes do 5G. As outras fabricantes estão buscando avançar no país.

— As teles brasileiras querem ser livres para escolher seu fornecedor de infraestrutura no Brasil. Essa é a posição defendida pelo setor — disse uma fonte do segmento.

Com a inclusão no leilão do 5G no PPI, detalhes do edital como investimentos e o total da outorga que será paga à União serão definidos em conjunto com o Planalto. O PPI é vinculado à Casa Civil da Presidência. O edital do 5G está sendo feito pela Anatel, que ainda não pôs o documento em consulta pública.

No governo, já se fala que o leilão poderá ficar para 2021, mas há um esforço para fazer a licitação no segundo semestre do próximo ano.

— O PPI passará a acompanhar todos os procedimentos, com um apoio para que todos os passos ocorram, e também para a divulgação do leilão — disse Veronica Sânchez, secretaria adjunta do PPI.

PRIVATIZAÇÃO ACELERADA

O leilão é apenas o primeiro passo para a implementação do 5G no Brasil, que ainda dependerá da expansão da infraestrutura das operadoras de telefonia. Nesse leilão, as teles vão disputar o direito de operar as bandas de frequência nas cidades e começara oferecera tecnologia no Brasil. Não há data para a entrada em operação do 5G no país.

Há uma questão técnica que precisa ser resolvida antes do 5 Gira leilão. É preciso encontra ruma saída para a interferência que a tecnologia causará na recepção das antenas parabólicas em 22 milhões de casas no Brasil, que correspondem a 31% dos lares.

Ainda ontem, o governo decidiu editar uma resolução do PPI para acelerar o processo de privatização de pequenas e médias empresas. O objetivo é reduzir, em média, seis meses o processo de venda de estatais. Hoje, segundo o governo, uma privatização pode levar de um a três anos. A mudança valerá para todas as empresas com receita bruta anual inferior a R$ 300 milhões. Entre essa selas, está a Ceitec. Sediada em Porto Alegre, desenvolve chips.

AUSTERIDADE

CABE O registro positivo de que as contas públicas fecharão o ano com um resultado melhor que a meta — em vez de um déficit de R$ 139 bilhões, terão um saldo negativo de cerca de R$ 80 bilhões.

DEVE-SE, porém, ressaltar que isso será possível basicamente por que a União recebeu uma receita líquida de R$ 23,6 bilhões do resultado do último leilão de áreas no pré-sal.

UMA RECEITA única, que não se repetirá. A boa notícia não justifica que o governo deixe de ser austero na administração financeira.