O Estado de S. Paulo, n. 46873, 16/02/2022. Economia & Negócios, p.B6

Estímulo à devastação


 

Jair Bolsonaro parece movido a obsessões. Fossem, porém, algumas delas reflexo de preocupação com o bem-estar da população ou a eficácia da máquina pública – objetivos impostos pelo mandato que exerce – decerto os brasileiros não estariam chorando a morte de mais de 600 mil pessoas pela covid-19 nem haveria tantas famílias lançadas na miséria por culpa da fraqueza da economia que em boa medida decorre da incompetência de seu governo. Mas não é disso que se trata. Uma de suas obsessões mais notórias é com sua própria sobrevivência política e com a proteção de sua família. Outras são com questões pontuais, como a situação dos garimpeiros.

Facilitar a vida dos garimpeiros, sobretudo os que agem – em geral em situação irregular – na Amazônia, foi tema de sua campanha eleitoral em 2018, de projeto de lei, de decisões administrativas, de autorizações que não levaram em conta seu impacto ambiental e social. Agora, com dois decretos, Bolsonaro simplificou os critérios de análise de pedidos de outorga pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e criou incentivos para o “garimpo artesanal”.

Um dos decretos cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, apelidado pelo governo de Prómape. Seu objetivo é “estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala, com vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional”.

Assim justificado, parece ser a redenção regional, especialmente da Amazônia, onde garimpeiros buscam, sobretudo, ouro e pedras preciosas. Até agora, a atividade garimpeira na região é predominantemente ilegal. Informalidade, falta de fiscalização e invasão de áreas protegidas por lei, como unidades de conservação ambiental e terras indígenas, estão entre suas características. São muito poucos os garimpeiros que, por meio de cooperativas, operam legalmente no País.

Os decretos constituem mais uma etapa do esforço do governo de Jair Bolsonaro de legalizar essas atividades. Em fevereiro de 2020, na iniciativa mais ampla nessa direção, o presidente da República propôs um projeto de lei que permite a exploração de mineral em terras indígenas, com a justificativa de que isso permitiria ao índio tornar-se garimpeiro de sua própria terra. “Não é justo querer criminalizar o garimpeiro no Brasil”, disse no ano passado o presidente da República. Ressaltou na ocasião que não dizia isso porque seu pai tinha sido garimpeiro por algum tempo.

Mas o impacto nocivo do avanço do garimpo ilegal teve sua demonstração mais exuberante em novembro do ano passado, com as imagens de barreiras formadas por balsas que procuram ouro no Rio Madeira, no Amazonas. A atividade ilegal ganhou forte impulso no governo Bolsonaro. Para eliminar as impurezas do minério, garimpeiros de ouro utilizam o mercúrio, substância tóxica que é lançada diretamente nas águas do Madeira.

Teme-se que, com os novos decretos, a área liberada para mineração alcance cerca de 40% da Amazônia legal, onde há florestas de proteção integral e áreas indígenas.