O Globo, n. 31471, 06/10/2019. País, p. 09

Alto escalão tem uma demissão a a cada oito dias

Daniel Gullino
Gustavo Maia


O governo do presidente Jair Bolsonaro demite um funcionário do alto escalão a cada oito dias. Até o momento, foram 35 exonerações, entre ministros e nomes do segundo escalão, já levando em consideração a saída do João Carlos Jesus Corrêa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que deve ser oficializada nos próximos dias.

Os motivos são diversos: de descontentamentos pessoais de Bolsonaro a pressões de parlamentares, passando até por desentendimentos com familiares do presidente. Entre os ministros, foram quatro baixas: Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), Ricardo Vélez (Educação), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria-Geral) —este último não deixou o governo, mas foi “rebaixado” para a presidência dos Correios.

As demissões no governo Bolsonaro têm motivações diferentes das registradas nas gestões de seus antecessores imediatos: nos primeiros nove meses, Michel Temer demitiu seis ministros, e Dilma Rousseff, quatro. A maioria das saídas foi causada por denúncias de corrupção: Dilma fez o que ficou conhecido como “faxina ética”, enquanto Temer foi atingido pela Lava-Jato. Já Bolsonaro decidiu manter no cargo o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado pelo Ministério Público Eleitoral na última sexta-feira, sob a acusação de liderar um esquema de candidaturas de fachada para desvios de recursos no PSL mineiro.

No segundo escalão de Bolsonaro, entre as principais baixas estão a de Ricardo Galvão, exonerado do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) em meio ao descontamento do governo com a divulgação de dados sobre o desmatamento, e a de Marcos Cintra, ex-secretário especial da Receita Federal, demitido por discordâncias sobre a possível criação de um imposto nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Transações Financeiras (CPMF).

Jogadores de vôlei

Bolsonaro já utilizou mais de uma vez uma metáfora esportiva para explicar algumas substituições: não se pode colocar um jogador de vôlei para jogar basquete, e vice-versa. Na prática, no entanto, os motivos variam. A bancada ruralista do Congresso, por exemplo, está por trás da saída de Corrêa do Incra e de Franklimberg de Freitas da Fundação Nacional do Índio (Funai). Filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSCRJ), por outro lado, teve influência na queda de Bebianno e de Santos Cruz. Primeiro ministro a ser demitido, com 49 dias no cargo, Bebianno passou de homem-forte da campanha a crítico frequente.

Agora afastado, o ex ministro diz que “tudo é muito difícil” com Bolsonaro:

— As sucessivas demissões promovidas pelo governo revelam duas coisas: falta de equipe e de relacionamento para atrair e manter talentos e enorme dificuldade do presidente em compreender problemas,estudaras respectivas soluções e decidir. Tudo com o Jair é muito difícil.

O ex-secretário especial de Cultura Henrique Pires deixou o cargo em agosto, em meio a um desentendimento com o ministro Osmar Terra (Cidadania). Ele afirma que muitos dirigentes têm medo de contrariar o presidente e que a situação se agravou após a saída de Santos Cruz:

— No momento em que saiu o general Santos Cruz, um militar qualificadíssimo, todos se surpreenderam. Acho que isso deixou alguns ministros extremamente inseguros. Eu senti uma diferença nas pessoas: “se saiu o Santos Cruz, pode sair qualquer um”. Para mim, é o momento chave. Há algumas demissões relacionadas a questões específicas de determinadas pastas. Carlos Manato, por exemplo, foi um dos ex-parlamentares recrutados pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) para ajudar na articulação política. Hoje, critica o exchefe, mas se diz apoiador da gestão Bolsonaro.

— O meu problema não foi com o governo, foi a minha relação com Onyx. O estilo dele não combinou com o meu. Fiquei lá sem função. Ele não dialogou como deveria —explica Manato. Sebastião Barbosa foi demitido da presidência da Embrapa em julho. Ele afirma que a ministra Tereza Cristina (Agricultura) tentou interferir politicamente na pasta. Na época, ela afirmou que a Embrapa estava “meio opaca”.

— Começaram a interferir muito nas coisas da Embrapa. Eu não concordei — relata.

— Ela disse: “O senhor quer pedir para sair ou quer ser exonerado? Eu disse para ela: “Prefiro a segunda opção. Não vou pedir para sair”.

Baixas do governo

Primeiro escalão

A Esplanada dos Ministérios já teve quatro baixas até aqui:

Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral), Ricardo Vélez (Educação), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria-Geral)

Recorde

O Ministério da Educação teve 10 demissões: além do próprio ministro, saíram dois secretários-executivos, dois presidentes do Inep e cinco secretários setoriais

Alta rotatividade

A Secretaria de Imprensa da Presidência já teve três ocupantes e agora está vaga; Inep e Agência de Promoção das Exportações (Apex) tiveram duas demissões cada.

Receita

O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra ,trocouo subsecretário-geral do órgão, José Paulo Fachada, diante de críticas de autoridades dos três Poderes. O próprio Cintra, contudo, caiu semanas depois, por discordâncias sobre a CPMF.

Demissões públicas

Bolsonaro anunciou durante entrevista que demitiria Juarez Cunha dos Correios; depois, criticou publicamente Joaquim

Levy (BNDES) e Ricardo Galvão (Inpe), deixando a situação deles no governo insustentável.

Ruralistas

A bancada ruralista do Congresso conseguiu derrubar ao menos dois dirigentes: Franklimberg de Freitas (Funai) e João Carlos Jesus Corrês (Incra)