O Globo, n. 31471, 06/10/2019. Economia, p. 30

Muito além da economia

Míriam Leitão


Há muito mais na economia do que apenas os indicadores ou decisões da área estritamente econômica. Ela depende, para ter um bom desempenho, de inúmeros sinais e situações que estão em outros setores. Uma parte das expectativas de retomada do crescimento está condicionada ao andamento da agenda legislativa, mas o presidente tomou a decisão de não formar uma base parlamentar estável, e por isso o governo tem improvisado no relacionamento com o Congresso. Além disso, Bolsonaro tem uma lista de prioridades idiossincrática, muitas delas vão no sentido oposto ao que deveria para alavancar o crescimento. Na terça-feira passada, Bolsonaro se reuniu com garimpeiros, demonstrou saudosismo em relação ao tempo em que eles atuaram de forma predatória e sem limites legais, e ainda falou a frase depreciativa sobre “a árvore”. Esse tipo de cena tem o efeito de derreter intenções de investimento. A grande mineração exige hoje regras de conduta muito severas porque presta contas aos stakeholders, ou seja, a todas as partes interessadas. Os erros colossais da Vale elevaram o nível de exigência da atuação dessas empresas no Brasil. É hora de mostrar mais aderência aos valores que desembarcaram no mundo dos negócios. O garimpo é o oposto de uma produção sustentável dos recursos minerais.

Em bases quase diárias, o governo dá sinais de não ter uma agenda de superação dos obstáculos ao crescimento. O ministro do Meio Ambiente repete ideias e toma decisões antiambientais. O ministro da Educação trava uma batalha na mídia social em mau português contra fantasmas ideológicos. O ministro da Cidadania se dedica a restabelecer a censura na área cultural. O ministro das Relações Exteriores se enclausura em ideias estreitas e revoga as virtudes conhecidas da diplomacia brasileira. Nada disso é economia e tudo é economia. Os sinais que sustentam a confiança dependem de que o país esteja atualizado com as tendências do mundo nas áreas ambiental, educacional, cultural e diplomática. O obscurantismo em qualquer desses setores é um pacto antiprogresso. O que grandes investidores se perguntam é para onde está indo o país, se a educação preparará os estudantes para os desafios do século XXI, se as preocupações ambientais e climáticas estão sendo incluídas na agenda pública, se a diplomacia está ampliando as relações internacionais, se a política cultural expressa a diversidade do país. O governo está emitindo sinais difusos em áreas diferentes que convergem para a mesma mensagem: a de que o país está em retrocesso social e político. E querem que a economia progrida sozinha tirando o país do atoleiro em que se encontra. Ela é parte de um todo. A ideia de que se pode modernizar a economia em um governo de valores arcaicos é um contrassenso.

A reforma da Previdência passou por várias etapas, sendo desidratada no meio do caminho, e enfrentando muitos sustos. Se caminhou foi à despeito do presidente da República, que se mobilizou apenas para a defesa corporativista que fez ao longo da vida. A causa de adaptar o sistema de pensões e aposentadorias à realidade demográfica e fiscal brasileira foi abraçada por líderes de partidos que não são governistas e foi votada até por alguns parlamentares da oposição, com um custo político alto. A área econômica teve alguns valorosos combatentes no esforço de entendimento com o Congresso, mas a articulação política não aplainou o terreno para os técnicos da economia. Pelo contrário, as muitas falhas na articulação tornaram o caminho mais pedregoso.

O Ministério da Economia fala em muitas reformas. Elas são ambiciosas: mudariam a estrutura do gasto público e implantariam um novo federalismo. O presidente se mobiliza pela liberação de armas, na defesa de torturadores e da ditadura, em favor do garimpo e exploração mineral em terras indígenas, contra a proteção do meio ambiente e na garantia de vantagens para os filhos. A agenda da economia é uma retórica superlativa ainda sem projetos elaborados. A do presidente tem iniciativas, decretos e MPs que dispersam a atenção do Congresso. O progresso é muito mais do que um indicador e a economia jamais será uma ilha.