O Globo, n.31.628, 11/03/2020. País. p.08

Desconfiança e impasse
Gustavo Maia 
Naira Trindade 
Thais Arbex 
Amanda Almeida
Bruno Góes


 

Enviado pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, o projeto que garante o controle de R$ 19 bilhões do Orçamento pelos parlamentares colocou o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política, em posição desconfortável tanto no Palácio do Planalto quanto no Congresso. A repercussão negativa do acordo provocou uma reação irritada de Bolsonaro, que reclamou de ter sido induzido a erro e alvo de traição. Após o presidente defender publicamente a rejeição do projeto que ele próprio assinou, a votação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) foi adiada ontem e a cúpula do Congresso avalia desistir da proposta. Na berlinda, Ramos espera que o adiamento lhe dê mais tempo para desanuviar acrise, que já provoca dúvidas sobre sua permanência no cargo. Enquanto isso, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), querem uma reunião com Bolsonaro para definir o tema.

Bolsonaro negou seguidas vezes ter feito um acordo com o Congresso, apesar de ter assinado o envio dos projetos junto com os ministros Ramos e Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral. As negociações em torno do controle de recursos pelo Congresso começaram no ano passado, tendo Ramos à frente. A equipe econômica e o próprio ministro Paulo Guedes participaram de algumas reuniões para tentar reduzir o montante que poderia ficar nas mãos do Congresso, mas após seguidos entendimentos Bolsonaro desautorizou a negociação.

Envolvidos no debate admitem que o presidente não foi informado do montante que seria destinado ao Congresso. Eque o clima azedou de vez após o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, reclamar de chantagem dos parlamentares e recomendar um“foda-se” do governo na véspera do Carnaval, como revelou O GLOBO.

Após encontro com   na semana passada, do qual também participaram Ramos e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), Bolsonaro convocou ministros para consultar se poderia enviar o novo projeto. E ouviu que sim, mas novamente sem ser informado sobre o valor em jogo. Na sexta, um dia antes de viajar para agendas nos Estados Unidos, o líder do governo na Câmara, Major Vítor Hugo (PSLGO), pediu uma audiência com o presidente para reclamar do valor cedido ao Congresso: R$ 19 bilhões. Este montante foi informado pela equipe econômica.

Ramos sustenta que o valor que ficaria sob o controle do relator do Orçamento, Domingos Neto, seria de R$ 10 bilhões, e passível de contingenciamento. A situação do ministro responsável pela articulação política, porém, é vista como delicada inclusive por aliados. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é citado como um possível substituto.

RETALIAÇÕES AO EXECUTIVO

O desgaste da articulação política pode se refletir ainda em outras pautas de interesse do governo, para além da partilha do Orçamento. Ontem, a sessão de plenário do Congresso foi encerrada sem análise dos vetos que estavam em pauta. O primeiro da lista era o que impediu a elevação do limite de renda per capita familiar (por pessoa da família) de quem tem direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas).

No Congresso, parlamentares afirmam que caso o acordo sobre Orçamento seja mesmo desfeito é possível haver retaliações ao Planalto. Uma possibilidade seria manter nos plenários da Câmara e do Senado as alterações feitas na Medida Provisória que permitiu o pagamento do 13º salário do Bolsa-Família no ano passado. Os parlamentares tornaram o benefício permanente e ainda o estenderam a quem recebe o BPC.

Também há temor de que possa haver contaminação na negociação sobre o aumento da complementação a ser paga pela União no Fundo de Desenvolvimento de Educação Básica (Fundeb). E apesar de haver apoio da cúpula do Congresso a reformas consideradas delicadas, como a reforma administrativa e a PEC emergencial (que permite reduzir salários de servidores), há a avaliação que o governo teria dificuldades para evitar desidratações no impacto fiscal destas medidas.

Após Bolsonaro ter defendido nos EUA a rejeição do projeto, o governo passou a trabalhar para empurrar a votação para depois das manifestações contra o Congresso convocadas para o próximo domingo. O presidente chegou a dizer que uma rejeição do projeto poderia até desmobilizar os protestos, que ele endossou.

A cúpula do Legislativo avalia a possibilidade de abrir mão do projeto. Em reuniões que entraram a madrugada de ontem, o comando do Parlamentos e debruçou sobre duas possibilidades: ad ecolocar o projeto em banho-maria por tempo indeterminado e a de simplesmente rejeitara proposta. A avaliação é a de que o Congresso tem de fazer movimentos que desidratem a narrativa de Bolsonaro de que o governo é vítima de articulações do Congresso.

Nas conversas da cúpula do Legislativo, a fala de Bolsonaro sugerindo que o Congresso rejeite o texto do governo foi classificada como chantagem explícita. Políticos que participaram do encontro dizem que, em meio ao risco de uma recessão mundial, o Parlamento pode acabar sendo responsabilizado pela crise econômica no Brasil. Segundo essa análise, se os parlamentares ficarem com os R$ 19 bilhões, o presidente daria força ao discurso de que, quando a economia do país não vai bem, deputados e senadores tiram recursos do governo e travam o avanço do país.

Alcolumbre e Maia esperam se reunir com Bolsonaro ainda esta semana para conversar sobre a polêmica. Eles querem entender o que o presidente realmente pensa sobre o assunto e tentar acertar com ele uma saída para a crise. Aliados de Alcolumbre e Maia dizem que será difícil confiar em novos acordos com o Executivo. Os congressistas reclamam que cumpriram sua parte ao manter os vetos de Bolsonaro na semana passada. E completam que, ao jogara responsabilidade pelo projeto para o Congresso, o presidente “joga gasolina” para que as manifestações ataquem os parlamentares.

Após o recuo de Bolsonaro e o adiamento da votação na Comissão de Orçamento, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDBPE), disse que ainda há uma “tentativa de construção de um entendimento”. Perguntado sobre a possibilidade de retirada do projeto, como pedem alguns deputados e senadores, ele afirmou que essa é uma “prerrogativa” do presidente da República.

—Ele chega de viagem evai querer receber informações sobre as conversações aqui no Congresso, mas, por enquanto, não tenho nenhuma orientação sobre essa questão (retirada do projeto).

Até Eduardo assina carta para governo retirar projeto
Amanda Almeida 
Bruno Goés 


 

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro sugerir ao Congresso rejeitar um projeto de lei, enviado por ele mesmo, que permitirá aos parlamentares controlar R$ 19 bilhões do Orçamento, foi a vez de o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP) subscrever uma carta ao presidente com um pedido para que ele desista do projeto. O texto enviado pelo presidente tramita na Comissão Mista de Orçamento (CMO), que o votaria ontem. Com a reunião esvaziada, a votação ficou para hoje.

Esta não é a primeira vez que a família Bolsonaro muda de posição para evitar desgastes com seus apoiadores mais fiéis. Ontem, o presidente negou ter feito um acordo com os parlamentares, apesar dele próprio ter assinado o envio dos projetos junto com os ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Jorge Oliveira, da Secretaria Geral. Já o deputado Eduardo Bolsonaro votou a favor do orçamento impositivo, junto com o pai, em 2015. O então deputado Jair Bolsonaro chegou a afirmar na época que o novo modelo acabaria com a “chantagem” entre Executivo e Legislativo. Agora, o presidente questiona o excesso de controle do Congresso sobre a execução orçamentária.

A iniciativa da carta ao presidente foi do líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e uniu parlamentares de diferentes partidos, como Podemos, Novo, PDT, Cidadania, PSL, PSD, PSC. O texto pede para que o presidente retire o projeto de lei encaminhado na semana passada em um acordo entre o governo e o Congresso. O pacto previa que os parlamentares mantivesse move todo Planalto a trecho das diretrizes para o Orçamento de 2020 que dava ao Parlamento o poder de indicara aplicação de R$ 30 bilhões — o que ocorreu em sessão na última quarta-feira. Em contrapartida, o governo encaminhou proposta que diminuiu esse valor sob controle do Congresso para R$ 19 bilhões.

Esse acordo, porém, foi colocado em xeque pelo próprio Bolsonaro ontem. O presidente disse que “o que a população quer, que está em discussão lá em Brasília, não quer que o Parlamento seja o dono do destino de R$ 15 bilhões do Orçamento”.

Na carta a Bolsonaro, os parlamentares listam motivos para o governo recuar do projeto. Entre eles ,“as manifestações de integrantes do governo,que entendem inapropriadas as pretensões do Congresso Nacional em obrigar o Executivo a seguira sindicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelo relator geral do Orçamento”, “o clamor da população” e as “as manifestações de Vossa Excelência, que reiteradamente vem se posicionando contra as emendas impositivas do relator-geral do Orçamento”.