O Globo, n.31.628, 11/03/2020. País. p.10

TSE rebate Bolsonaro e defende sistema eleitoral
Carolina Brígido 
Victor Farias
Aguirre Talento

Paola de Orte 

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) saíram ontem em defesa do sistema eleitoral brasileiro, após o presidente Jair Bolsonaro afirmar, um dia antes, que teria ocorrido uma fraude nas eleições presidenciais de 2018 e que teria provas, sem apresentá-las. “Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil, e o TSE garantirá que continue a ser assim”, disse o tribunal em nota, ressaltando que, ao longo de mais de 20 anos de utilização das urnas eletrônicas, nunca foi comprovado um caso de fraude.

A reação às declarações do presidente começaram a ser articuladas ainda na noite de segunda-feira. Houve a conclusão de que era necessário dar uma resposta imediata às palavras do presidente. A reação dos membros da Corte se deu de duas formas. A nota do tribunal fez a defesa da lisura do sistema eleitoral brasileiro. Já os ministros, em entrevistas à imprensa, se encarregaram de cobrar que Bolsonaro apresentasse elementos que embasassem sua acusação.

Na nota, o TSE reafirmou “a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação” e disse que, caso haja uma prova de irregularidade, as autoridades agirão com “presteza e transparência para investigar o fato”.

O texto foi elaborado pela atual presidente da Justiça Eleitoral, ministra Rosa Weber, e pelo futuro presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, que se reuniram na manhã de ontem para debater a nota. Ao menos quatro ministros discutiram anteontem à noite, logo após as declarações de Bolsonaro, como responderiam ao presidente.

FATOS NOVOS

Antes de sessão do STF, Rosa Weber afirmou que “a Justiça Eleitoral não compactua com fraudes”. Ela ressaltou que o sistema é auditável, o que o torna mais confiável.

— Eu mantenho a minha convicção quanto à absoluta confiabilidade do nosso sistema eletrônico. E essa confiabilidade e essa segurança, ela advém, em especial, da auditabilidade dessas urnas eletrônicas —afirmou a ministra.

—Se há fatos novos, se há provas, que possam nos ser oferecidas, nós vamos examiná-las com o mais absoluto rigor.

Já Barroso reafirmou a confiabilidade do sistema eleitoral. Para ele, se houver algum indício de fraude, as provas precisam ser apresentadas:

— Eu lido com fatos. O fato consolidado até agora é que o sistema é absolutamente confiável. Nunca houve a demonstração de qualquer tipo de fraude. Quem trouxer algum elemento que me leve a repensar isso, estou pronto. Eu sou juiz, vamos avaliar.

Mesmo ministros que não foram consultados antes da elaboração da resposta concordam com o texto. É o caso de Marco Aurélio Mello, que atua como substituto no TSE e também foi à público defender o sistema eleitoral. Perguntado se havia estranheza no fato de um vencedor da eleição ter questionado a lisura do processo eleitoral, o ministro comentou:

—Tempos estranhos. Pelo menos de tédio nós não morremos.

A resposta do TSE e dos ministros ocorre um dia após Bolsonaro afirmar ter provas de que foi eleito em primeiro turno, apesar de não ter apresentado nenhum indício nesse sentido. O presidente já havia feito acusações de fraude em 2018, mas agora, pela primeira vez, disse ter “provas”. Ao ser questionado ontem em Miami, nos Estados Unidos, sobre quando apresentaria as provas da suposta fraude, Bolsonaro não respondeu diretamente se teria elementos e falou sobre uma suposta falta de credibilidade do tribunal.

— Eu quero que você me ache um brasileiro que confia no sistema eleitoral brasileiro. Eu espero que você ache um brasileiro que confia no processo eleitoral brasileiro —respondeu.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou ao GLOBO ontem que não recebeu provas relativas à acusação feita por Bolsonaro e defendeu o voto impresso como forma de reforçar a segurança do processo. Em 2018, o STF derrubou a implantação do voto impresso, que havia sido proposta pelo Congresso, apontando que a medida abriria brecha contra o sigilo do voto:

— Não recebi nenhuma prova de que houve fraude nas urnas nas eleições, mas a implantação da caixa coletora do voto impresso daria um elemento adicional de segurança ao processo eleitoral —disse Aras.

Questionado se caberia abertura de investigação, Aras disse que só poderia fazer isso caso lhe fossem apresentados elementos concretos. O procurador-geral afirmou ainda que não recebeu nenhuma denúncia formal de Bolsonaro sobre o tema.