O Globo, n. 31515, 19/11/2019. Economia, p. 17

Alívio nas contas
Manoel Ventura
Marcello Corrêa


O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou ontem que o governo fechará 2019 comum rombo no Orçamento inferior aR $80 bilhões. O número representa uma diferença de cerca de R$ 60 bilhões em relação ao previsto, como antecipou O GLOBO, graças a receitas extraordinárias, como o megaleilão do pré-sal. Para 2020, porém, não há garantia de que esse cenário se repita. Por isso, foi mantida a previsão oficial de um rombo de R$ 124,1 bilhões, resultado pior do que o anunciado para este ano.

— Do nosso ponto de vista, do Ministério da Economia, no primeiro ano do governo Bolsonaro, conseguimos um déficit que pode ficar um pouco abaixo de R$ 80 bilhões — disse Guedes.

Para conseguir chegar ao resultado melhor em 2019, o governo contou principalmente coma arrecadação extra dos leilões de petróleo. Apenas com o megaleilão do excedente da cessão onerosa, a União teve uma receita líquida de R$ 23,6 bilhões — já descontadas as transferências para Petrobras, estados e municípios.

VALORES NÃO FORAM GASTOS

Também aliviou a conta uma receita melhor com Imposto de Renda e com antecipação de dividendos de estatais. Do lado da despesa, o governo gastará menos que o autorizado por conta de um fenômeno chamado de empoçamento. Isso ocorre devido ao excesso de vinculações de despesas eà evolução mais lenta de projetos. Com isso, os valores são autorizados, mas acabam não sendo gastos.

— Nós estamos com um pouco mais da metade do número que foi estimado, o que mostra que foi um ano difícil. Nosso governo queria revertera trajetória de expansão descontrolada dos gastos públicos. Isso era uma questão de princípio — acrescentou o ministro.

Guedes prometeu, durante a campanha eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro, no ano passado, zerar o déficit público no primeiro ano de governo.

Mesmo negativo, o número de 2019 será o melhor resultado das contas públicas desde 2014, quando o rombo registrado foi de pouco mais de R$ 20 bilhões. Esse valor abriu uma sequência de déficits no Orçamento federal, que só deve entrar no azula partir de 2023, pelas contas do governo.

O Ministério da Economia e a Casa Civil da Presidência da República convocaram a imprensa ontem para confirmar que todo o Orçamento de 2019 está desbloqueado. O contingenciamento chegou a R$ 34 bilhões ao longo do ano, ameaçando uma série de serviços públicos. Ainda havia R$ 14 bilhões bloqueados. Na semana passada, um relatório da Economia já previa a liberação de tudo que estava contingenciado.

— O Orçamento que nós estamos executando este ano é um Orçamento que nós herdamos, como disse o ministro Guedes, de uma projeção, expectativa, absolutamente irreal de crescimento — disse o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

Apesar da declaração, boa par teda equipe que elaborou o Orçamento no ano passado para 2019 foi mantida no governo. Além disso, a estimativa de 2,5% de crescimento do PIB calculada pelo governo era a mesma do mercado até o começo do ano, que também cortou gradualmente suas previsões diante de uma atividade menos acelerada do que a imaginada originalmente.

Guedes comemorou não ter alterado a regra do teto de gastos — que limita o aumento das despesas da União à inflação do ano anterior —, apesar da pressão de integrantes do próprio governo. No auge do contingenciamento, integrantes da ala política do governo pediram mudanças na regra, para liberar mais dinheiro para os ministérios.

— Quando não abrimos mão do teto de gastos, houve muita pressão. Queríamos mostrar que esse governo ia reverter essa trajetória de expansão de gastos públicos — afirmou.

DESAFIO A MÉDIO PRAZO

Mesmo diante dos números melhores, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, disse que o governo não vai propor uma nova meta de rombo para 2020. Ainda assim, afirmou acreditar que o déficit do próximo ano será menor que o limite de R$ 124,1 bilhões:

— Já sabemos que o número efetivo será muito provavelmente menor, porque teremos antecipação de receitas, com dividendos, além de outras receitas com outorgas.

Para a Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, porém, o governo fechará este ano com déficit de R $95,8 bilhões. Apesar do resultado melhor que o espera doem 2019, os desafios no médio e longo prazos são grandes. De acordo coma IFI, o Brasil já corre risco de estourar o teto degasto sem 2021 e só voltará a ficar no azulem 2026.

De acordo coma IFI, o espaço para despesas não-obrigatórias em 2021 será de apenas R $69,9 bilhões, abaixo do mínimo necessário para manter a máquina pública funcionando, estimado em R$ 80,2 bilhões. Esse quadro geraria o chamado estado de shutdown, quando há paralisação de serviços públicos essenciais, e eleva o risco de descumprimento do teto de gastos.

— A gente precisa ter cuidado ao analisar essa surpresa positiva no resultado de 2019, porque não necessariamente isso vai persistir nos próximos anos —destacou Felipe Salto, diretor executivo da IFI.

“Nosso governo queria reverter a trajetória de expansão descontrolada dos gastos públicos. Isso era uma questão de princípio” 

Paulo Guedes, ministro da Economia

“A gente precisa ter cuidado ao analisar essa surpresa positiva no resultado de 2019, porque não necessariamente isso vai persistir nos próximos  anos”

Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente

(Colaboraram Gabriel Shinohara e Jussara Soares)