O Globo, n. 31515, 19/11/2019. Sociedade, p. 24

A maior perca em uma década
Elisa Martins 
Renato Grandelle


Em uma conferência de meia hora, ontem, na sede do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o governo federal reconheceu o que seus próprios dados (além de ambientalistas) já vinham indicando há meses: o desmatamento da Amazônia aumentou expressivamente neste ano, puxado por atividades ilegais como o garimpo, a extração de madeira e a ocupação irregular do solo.

Segundo o sistema Prodes, ferramenta do Inpe que mede as taxas anuais de desmatamento, a Amazônia perdeu 9.762 km² de floresta entre agosto de 2018 e 31 de julho deste ano, alta de 29,5% em relação ao período anterior.

É o maior percentual desde 1998, quando a devastação avançou 31%. Em termos de área, o índice foi o mais alto desde 2008, que registrou 12.911 km² desmatados.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que apresentou os dados, atribuiu o aumento a“motivos já conhecidos ”, que“acontecem há anos ”. — Esse aumento de 2012 em diante é a pressão das atividades econômicas, grande parte delas ilegais, sobre a floresta — afirmou Salles, que estava acompanhando do ministro Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações). — Precisamos ter estratégias e alternativa econômica para a região. Algo estruturante precisa ser feito, e estamos discutindo nessa linha.

Secretário-executivo da ONG Observatório do Clima, Carlos Rittl, avalia que Salles tentou “relativizar” o avanço do desmate:

— De fato, há uma tendência de alta do desmatamento desde 2012, só que a variação anual média é de 10,2%. Desta vez foi 29,5%. Quase o triplo.

PARÁ LIDERA DESMATE

Dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, o Pará respondeu por 39,6% do desmatamento. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado disse estar intensificando as operações para apreensão de carvão, madeira serrada e máquinas e caminhões usados ilegalmente,mas afirmou que o combate à devastação d a floresta é compartilhado com municípios e com o governo federal.

Salles anunciou que fará uma reunião amanhã com os governadores da região para discutir medidas de contenção do desmatamento “de maneira sustentável”.

Questionado pelo GLOBO, o ministro não descartou o uso das Forças Armadas para combater o desflorestamento, a exemplo do que já ocorreu em relação às queimadas. Também afirmou estar debatendo a retomada do Fundo Amazônia e o repasse de recursos do Fundo Petrobras.

O Fundo Amazônia, que já recebeu R$ 3,4 bilhões em doações desde 2008, foi desmantelado após a tentativa de Salles de mudar o conselho responsável por sua administração, assim como a destinação das verbas. Em agosto, a Noruega, que financia 94% da iniciativa, cancelou um repasse de R$ 133 milhões. A Alemanha, outra integrante do fundo, também congelou o repasse de verbas.

O recrudescimento da derrubada da Amazônia era acompanhado pelo Inpe desde junho, mas o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Ricardo Salles questionaram a credibilidade dos levantamentos do instituto. Seu então diretor, Ricardo Galvão, foi demitido a pedido do presidente em agosto, provocando revolta na comunidade científica.

SUCATEAMENTO DO IBAMA

O ministro e o presidente também travam, desde o início do governo, um embate com agentes do Ibama, acusados de promover uma “indústria de multas”.

Em abril, Bolsonaro revelou que mandou Salles “fazer uma limpa” no órgão. No mesmo mês, o orçamento do instituto foi reduzido em 24%, passando de R$ 368,3 milhões para R$ 279,4 milhões.

Em nota, o Observatório do Clima creditou o aumento do desmate à “estratégia implementada por Bolsonaro de desmontar o Ministério do Meio Ambiente, desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais”.

Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, destaca como o governo tenta expandira área de cultivo das commodities sobre unidades de conservação.

— Querem revogaram oratória da soja, um acordo privado estabeleci doem 2006 para não comercializar grãos que tenham sido plantados em áreas recentemente desmatadas. O acordo contribuiu para derrubar o desmatamento em torno de 85% entre 2009 e 2018 — recorda. — É uma prova consistente de que é possível conciliar expansão da produção e proteção de ecossistema e seus serviços.

Um consenso entre ambientalistas é que o Prodes do ano que vem — que medirá o desmatamento entre agosto de 2019 e julho de 2020 — apontará uma floresta ainda mais arrasada. Somente entre agosto e a primeira semana de novembro, o Deter, sistema de alertas do Inpe registrou 3.929 km² desmatados, o que equivale a 57% de tudo o que se desmatou até agora em 2019.

Ao final da coletiva, servidores questionaram os ministros presentes e lamentaram o esvaziamento de recursos do Inpe, definido como “próximo do limite suportável”. Em 2020, o setor de monitoramento de matas do instituto pode sofrer um corte de 38%, passando de R$ 2,01 milhões para R$ 1,21 milhão.

REPUTAÇÃO ARRANHADA

Carlos Rittl, do Observatório do Clima, questiona até quando os parceiros comerciais do Brasil confiarão nas promessas de sustentabilidade e no cumprimento do Acordo de Paris, “enquanto florestas tombam, lideranças indígenas são mortas e leis ambientais são esfaceladas”.

O primeiro teste de fogo será a Conferência do Clima (COP-25), em Madri, em dezembro. Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, diz que o Brasil chegará ao encontro com a imagem arranhada.

— Sempre tivemos um perfil positivo, mas mudamos de papel desde as queimadas. O chanceler Ernesto Araújo já afirmou que não acredita no aquecimento global. Andamos dois passos para trás.

“Queremos um ambientalismo de resultados. Precisamos de alternativa de economia sustentável para aquela região da Amazônia” 

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

“Andamos dois passos para trás. A lição que fica é: enquanto o governo tiver sucesso no que se propõe a fazer, a Amazônia seguirá diminuindo” 

Marcio Astrini, coordenador do Greenpeace

“Há uma tendência de alta do desmatamento desde 2012, só que a variação anual média é de 10,2%. Desta vez, foi 29,5%. Quase o triplo” 

Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima