O Globo, n. 31472, 07/10/2019. País, p. 08

PF apura vazamento em operação contra fiscais

Chico Otavio


A Polícia Federal (PF) investiga se houve vazamento na operação Armadeira, que prendeu na semana passada 14 pessoas, entre as quais servidores da Receita Federal, acusadas de extorquir réus da Lava-Jato. Na primeira entrevista após a operação, o empresário Ricardo Siqueira Rodrigues, colaborador premiado que denunciou o esquema depois de ser abordado pelos fiscais da Receita, admitiu a existência de indícios de que os suspeitos sabiam que estavam sendo monitorados.

Os fiscais foram presos depois que a PF concluiu que o grupo usava dados da Lava-Jato para extorquir empresários envolvidos no escândalo. O esquema consistia em cobrar propina para não lançar multas milionárias contra as vítimas. Para reunir as provas, os investigadores tiveram autorização judicial para fazer “ações controladas”, técnicas de investigação que permitem à vítima negociar e pagar propina aos criminosos para que os encontros sejam gravados.

A PF recebeu informações de que os investigados tinham ciência de que estavam sendo monitorados, a ponto de saber detalhes sobre as equipes destacadas.

Rodrigues, vítima do esquema, contou ao GLOBO que, desde a primeira abordagem dos servidores, no ano passado, não tinha dúvidas de que “todas as tentativas de intimar a comparecer pessoalmente à Receita tinham o desejo de ameaçar e constranger”. Preso em abril de 2018, durante a Operação Rizoma, ele foi acusado de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção em fundos de pensão de estatais.

Rodrigues disse que foi procurado pelos fiscais enquanto fechava a delação premiada, razão pela qual incluiu a extorsão da Receita entre as suas revelações. Para ele, o grupo é maior do que as 14 pessoas presas:

—No processo de extorsão que sofri, fui constantemente ameaçado pelo grupo. Afirmavam que eles eram atuantes em várias esferas, e esse foi meu maior receio de eventuais retaliações.

Mais extorquidos

A principal preocupação do empresário, ao revelar o esquema, foi com a segurança da família:

— Mais ainda quando soube do tamanho e da complexidade da organização. Com tanta capilaridade e poder dentro das esferas públicas, pode-se inventar e distorcer fatos até conseguir o objetivo.

Para Rodrigues, outros empresários sofreram a mesma abordagem:

— Tenho certeza que sim. Desde o início, ficou claro que o grupo atuava há tempos e através de várias pessoas.

O empresário nega que tenha se beneficiado com um suposto desaparecimento do sistema da Receita de uma operação de remessa de divisas, no valor de R$ 3,2 bilhões:

— Havia uma ameaça constante por parte da organização criminosa de aplicar multas de altíssimos valores. Depois que foi anunciada minha condição de colaborador, este ano, a acusação desapareceu, o que reforça a ideia de que sempre foi uma mentira plantada.