O Estado de S. Paulo, n. 46875, 18/02/2022. Notas & Informações, p. A3

Nanismo diplomático


 

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia e à Hungria terminou sem compromissos, acordos ou alianças relevantes, enfim, sem qualquer ganho palpável aos interesses nacionais. O consolo é que, dado o histórico de trapalhadas do presidente, a coisa poderia ter sido pior.

Se os interesses do Brasil com a Hungria são inócuos, a Rússia fornece fertilizantes para o agronegócio e tem empresas relevantes na área de energia. Além disso, integra o Brics, é um polo tecnológico e uma superpotência militar, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com capacidade de facilitar as pretensões do Brasil. Em tempos normais, portanto, não haveria inconveniente no encontro entre os líderes russo e brasileiro. Mas estes não são tempos normais nem esse é um governo normal.

O encontro, é verdade, foi marcado antes da crise com a Ucrânia. Mas quando as hostilidades começaram, em novembro, havia tempo para manejar sem atritos um adiamento e evitar o risco de um presidente brasileiro assistir de um camarote russo à invasão. Se nas últimas semanas não havia essa margem e, por sorte, a invasão não aconteceu, nem por isso o Brasil foi poupado de constrangimentos. Nas declarações oficiais, Bolsonaro fez acenos genéricos à paz. Mas, falando no improviso, corroborou um recuo russo – negado pela Otan –, chegando a insinuar que poderia ter sido por sua influência. Pior: declarou que o Brasil é “solidário” à Rússia – que, sem entrar no mérito da disputa, é o país agressor, não o agredido.

Mas a viagem não foi só inadvertidamente inoportuna, como previsivelmente contraproducente. Reza o bêá-bá da diplomacia que um chefe de Estado não viaja para negociar acordos, só para fechá-los ou destravar impasses. Mas nada disso, nem sequer uma negociação, estava na pauta. A nota do Itamaraty expõe essa vacuidade.

Encontros protocolares e pragmaticamente inócuos são justificáveis na rotina das relações com parceiros relevantes. Mas, para que a justificativa seja válida, é preciso que haja essa rotina. Porém a única diretriz palpável da política externa de Bolsonaro foi a bajulação do ex-presidente americano Donald Trump. Fora isso, não houve nenhum compromisso bilateral relevante. Nos fóruns internacionais, limitou-se a propagandear realizações fictícias de seu governo e, em vez de criar laços com outras lideranças, preferiu conversar com garçons e insultar chefes de Estado, como a chanceler da Alemanha ou o presidente da França. Mais grave foi a hostilidade intempestiva a parceiros comerciais como a China, o maior de todos, ou à Argentina, o maior comprador da indústria nacional.

Quanto à questão mais sensível para a comunidade internacional, a ambiental, Bolsonaro só ofereceu desídia e escárnio, chegando a ameaçar retaliar com “pólvora” uma delirante invasão da Amazônia pelos EUA. Na pandemia, consagrou-se como o líder negacionista par excellence. Ao estreitar laços com dois nacionalistas autoritários como Vladimir Putin e Viktor Orbán, Bolsonaro só acentuou o isolamento em que enfiou o Brasil.

Injustificável em relação aos interesses do País, a viagem é explicável pelos interesses eleitorais do clã Bolsonaro. Tanto que o presidente, que se especializou em ridicularizar os protocolos sanitários no Brasil, se submeteu a uma humilhante bateria de testagens só para garantir uma foto ao lado do ditador russo. O vereador Carlos Bolsonaro, coordenador das virulentas redes sociais do pai, teve lugar de destaque na delegação presidencial, e certamente não era para negociar fertilizantes.

Na falta de algo mais elevado, a militância bolsonarista se refestela com a foto em que Bolsonaro aparece mais alto do que Putin. Felizmente, a sua minúscula estatura como estadista permitiu que a visita inoportuna passasse despercebida aos olhos da comunidade internacional. Mas isso é já um sintoma do apequenamento a que ele submete o Brasil. Em outros tempos, o País seria encarado como um ator diplomático relevante; hoje, com Bolsonaro, é só digno de dó.