O Globo, n. 31541, 15/12/2019. País, p. 6

Desculpa da “herança maldita” não surtiu efeito

Berenice Seara


Acrise que o prefeito Marcelo Crivella diz não existir na Saúde do município atingiu, em cheio, as suas pretensões eleitorais. Se estivessem diante das urnas hoje, menos de 10% dos eleitores cariocas, de acordo com a pesquisa Datafolha, dariam o crédito da reeleição, quase uma tradição no Rio de Janeiro, ao prefeito do Republicanos.

De outro lado, 22% disseram preferir apertar o botão verde para o seu antecessor, Eduardo Paes (DEM) — confirmando que a desculpa da herança maldita, repetida à exaustão por Crivella ao longo dos seus três anos de governo, não surtiu efeito. A pouco menos de um ano da eleição, Paes larga com quase o triplo de intenção de votos em relação ao seu desafeto. É uma dianteira e tanto para quem ainda nem admitiu publicamente ser candidato, embora faça charme dia sim, outro também, nas redes sociais. Adversário de Crivella no segundo turno em 2016, Marcelo Freixo (PSOL) já parte com 18%, mais que o dobro do atual comandante da cidade, e está tecnicamente empatado no primeiro lugar. Freixo aproveita, claro, o recall das campanhas anteriores, o confortável lugar de oposição crítica a um governo problemático e o fato de não ter sofrido o desgaste de quem teve que pôr a mão na massa.

E que desgaste: 72% dos entrevistados consideram o governo Crivella ruim ou péssimo. A Saúde, cuja crise o prefeito disse não existir, está justamente na ordem do dia para os eleitores, já que 68% acreditam ser o principal problema da cidade. Só 8% disseram estar diante de uma administração ótima ou boa —o mesmo índice de intenção de votos do prefeito, o que explica muito a sinuca em Crivella se encontra. Para pavimentar o caminho do voto, vai precisar melhorar a vida do carioca. E não será com uma camadinha de asfalto. No capítulo novidades da pesquisa, dois nomes chamam a atenção por motivos diametralmente opostos.

Rodrigo Amorim (PSL), o deputado estadual mais votado no ano passado e um dos símbolos da onda conservadora que varreu o Rio de Janeiro puxada pela família Bolsonaro, apareceu agora com apenas 2% das intenções de voto. E Eduardo Bandeira de Mello (Rede), o presidente do Flamengo que saneou as finanças do clube, ganhou força com a maré de títulos do rubro-negro e já entra na disputa com 6%, à frente de políticos tradicionais, como Benedita da Silva (PT), Alessandro Molon (PSB) e Clarissa Garotinho (PROS).

Por falar em novidades, é bom lembrar que o presidente Jair Bolsonaro e o governador Wilson Witzel (PSC) ainda não puseram os nomes dos seus candidatos na mesa.

Num cenário mais enxuto, quando saem de cena Martha Rocha (PDT), que aparece com 7%; Benedita, com 4%; e Molon, com 2%; Freixo sobe três pontos e chega a 21%. Já Paes sobe cinco e bate 27%. Ou seja, quem mais se beneficiaria com a retirada de candidatos de esquerda em favor dos mais bem colocados nas pesquisas — o sonho da sempre improvável frente progressista —não seria o PSOL, o que prova que a matemática da política não é mesmo uma ciência exata.