Título: Justiça racial: somos todos um só
Autor: Agaciel da Silva Maia
Fonte: Jornal do Brasil, 14/04/2005, Outras Opiniões, p. A11

A questão do negro no Brasil merece diversas considerações. Em todas elas há que se primar pela busca da justiça e, em especial, da justiça racial. Mas, antes de tudo, devemos ter em mente que não é de hoje que a ciência tem buscado definir as raças que compõem nossa espécie. Com o progresso da genética verificou-se que, através de algumas gotas de sangue, era possível referenciar as coleções de genes, e concluiu-se que existem quatro grupos sanguíneos, que são encontrados em todo e qualquer grupo racial. Posteriormente foram definidos outros sistemas (Rhesus, MNSs, Duffy, Diego, GM, HL-A). Cientistas concluíram que devido à multiplicidade de informações recolhidas, a classificação em grupos homogêneos tornava-se extremamente difícil.

A opção recaiu para o método estatístico, segundo os genes que são específicos de cada grupo. Daí foi um pulo concluir que, sendo a cor negra característica da raça negra, deveria se buscar os genes ''marcadores'', responsáveis pela cor da pele. Os resultados foram decepcionantes: os genes não são específicos a uma ou duas raças e as conclusões apontaram para o fato de que todas as populações têm mais ou menos os mesmos genes. Os biólogos imaginaram uma medida chamada ''distância genética''. Esta distância é tanto maior quanto maior for a diferença entre os patrimônios genéticos de duas ou mais populações comparadas. A conclusão é clara: a humanidade não pode ser classificada em raças pela simples comparação dos patrimônios genéticos. François Jacob, Nobel de Biologia, afirmou que ''o conceito de raça é, para nossa espécie, não operacional''. Jacob não fica solitário nessa declaração. O duplamente premiado com o Nobel de Medicina e de Psicologia, Jean Dausset, iria depois declarar que ''a idéia de 'raça pura' é um contra-senso biológico''.

Mas, mesmo tendo em conta as afirmações de muitos expoentes da ciência, de que não existem raças, ainda assim, somos meio que forçados a conviver com este pernicioso defeito de nossa civilização: o racismo existe! O geneticista francês Albert Jacquard afirmou que ''na verdade, temos medo do desconhecido, de encontrar alguém que não seja nosso semelhante, e este medo, por sua vez, transforma-se em agressividade e ódio, nascendo assim o racismo''.

Como contraponto a qualquer esforço para supressão de direitos podemos recordar que vivemos em uma era que pode ser referendada como a Era dos Direitos. Foi esta Era que viu nascer constituições democráticas, declarações de direitos e uma multiplicidade de instituições civis dedicadas à proteção das minorias.

Na atualidade e corriqueiro falarmos da necessidade de se promover a igualdade de direitos e de raças. No Brasil, embora já tenhamos avançado bastante rumo à justiça racial, no entanto, temos diante de nós uma longa caminhada. Estudos, pesquisas e informações recolhidas por órgãos como o IBGE e o Ipea, demonstram que os negros, que são maioria na população, continuam à margem da sociedade e lideram os piores indicadores, estando nas classes sociais mais baixas e possuindo os menores níveis de escolarização. No Atlas Racial do Brasil, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), descobrimos que os negros no país são 65% dos pobres e 70% da população de indigentes.

Por essa razão, o projeto de lei que institui o Estatuto da Igualdade Racial (PLS 213/03), de autoria do Senador Paulo Paim, traz uma série de ações afirmativas com o objetivo de inserir essa população na sociedade. O Estatuto trata de políticas públicas de combate ao preconceito e ao racismo. Políticas que valorizam os afro-brasileiros. Inclui propostas para educação, saúde, trabalho, mídia, terra, moradia e cotas. Não menos importante foi a criação da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o decreto por ele assinado considerando 2005 como o ''Ano Nacional da Igualdade Racial''.

Nunca é demais enfatizar que o racismo, um dos males mais funestos e mais persistentes, constitui obstáculo importante no caminho da paz e sua prática constitui uma violação demasiado ultrajante da dignidade do ser humano para poder ser tolerada sob qualquer pretexto.

*Agaciel da Silva Maia é diretor-geral do Senado Federal