Correio Braziliense, n. 21382, 01/10/2021. Política, p. 2

Um presidente em ritmo de mil dias

Ingrid Soares


No terceiro dia de viagens pelo país, o presidente Jair Bolsonaro desembarcou em Belo Horizonte disposto a mostrar as realizações de seu governo e reforçar suas posições políticas. Oficialmente, o chefe do Executivo foi à capital mineira para anunciar o metrô belorizontino e participar do lançamento do Centro Nacional de Vacinas na cidade. Mas não se furtou de atacar o PT, acentuando a polarização para as eleições de 2022. Bolsonaro também comentou sobre questões relativas à pandemia, como passaporte de vacinação, criticou governadores pela crise econômica e disse esperar por um entendimento sobre a tributação dos combustíveis.

Durante a visita à Cidade Administrativa, sede do governo de Minas Gerais, o presidente foi acompanhado por ministros, pelo governador Romeu Zema (Novo) e parlamentares mineiros. O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), não compareceu aos eventos. Na chegada ao aeroporto local, sem máscara e em meio a aglomeração, cumprimentou apoiadores com apertos de mãos, abraços e tirou selfies.

Em meio a muitos aplausos e algumas vaias, Bolsonaro disse que "não tinha ido ao local falar de política". Mas, caso viesse a ser candidato à reeleição no próximo ano, teria "o maior prazer" de participar de um debate com Lula. Em resposta, apoiadores do presidente gritavam. "Queremos Bolsonaro presidente outra vez". O presidente agradeceu. "Se vocês soubessem da dificuldade disso. Mas obrigado pela confiança", disse.

O presidente atacou a esquerda em diversos momentos. Disse que, pelas andanças que tem feito, "vê cada vez menos a cor vermelha e muito mais verde e amarelo". Lembrou a situação da Venezuela. Questionou se "é esse o socialismo que a população brasileira quer implantar no país". Disse que uma das grandes coisas que o confortam na tarefa de administrar o Brasil, "é que naquela minha cadeira não tem um socialista, comunista, ladrão, sentado nela".

Um dos momentos emblemáticos da visita ocorreu quando o presidente ficou ao lado de uma criança, vestida com uniforme de policial militar. Bolsonaro ergueu uma arma de brinquedo ao lado do menino e foi ovacionado por apoiadores com gritos de "mito", seguido de "o povo, armado, jamais será escravo" e "Eu vim de graça". Em seguida, ministros e o presidente juntaram cadeiras para que a criança fizesse uma demonstração de força com cerca de 10 flexões. Depois, Bolsonaro foi ao púlpito e parabenizou os pais do garoto pelo exemplo de civilidade e patriotismo.

"Eu estou com quase 70 anos. Quando era pequeno, eu brincava com isso, com arma, com flecha, com estilingue. Assim foi criada a minha geração e crescemos homens sadios e fortes e respeitadores. Meu cumprimento aos pais desse garoto por estarem prestando exemplo aqui de civilidade, de patriotismo e de respeito. Obrigado, Polícia Militar de Minas Gerais", disse Bolsonaro.

"Fique em casa"
O presidente voltou a criticar o "passaporte da vacina", já vigente em ao menos 249 cidades do país. O documento comprova a imunização contra a covid-19 para acesso a espaços públicos coletivos. "A gente tem que acreditar na nossa Pátria. Cada um tem que fazer a sua parte, tem que entender que o Estado existe não para tutelar o povo brasileiro, mas para não atrapalhá-lo. Cada vez mais, nós queremos o livre mercado. Cada vez mais lutamos por meritocracia. Cada vez mais, nós nos vemos obrigados, juntamente com vocês, como demonstramos no Sete de Setembro, lutar para que cada um dos incisos do artigo 5º da Constituição seja cumprido. Isso não parece, isso é o óbvio. Respeitar o direito de ir e vir, o direito ao trabalho, à liberdade de culto. Não aceitar o 'passaporte da covid', não aceitar narrativas", bradou o presidente.

Ele defendeu, ainda, o direito daqueles que não querem ser imunizados. "Nós conseguimos a vacina para todos os brasileiros. Se acharem que devem se vacinar, que se vacinem, mas respeitamos o direito daqueles que, porventura, não querem se vacinar", alegou. Bolsonaro comparou o documento a uma "mordaça" e tentou desacreditar as vacinas contra o vírus, afirmando que ainda são "emergenciais" e justificou que o governo "não é negacionista, mas democrata".

O presidente também falou de temas econômicos. Alegou que não estava se esquivando de responsabilidades, mas culpou a gestão do PT e governadores pela alta da inflação no país. O chefe do Executivo citou a ex-presidente Dilma Rousseff, mencionou a volta da esquerda em países vizinhos e citou um trecho da Bíblia que fala em "falta de conhecimento" por parte do povo.

"A senhora Dilma Rousseff, em 2012, resolveu, para ficar bem na fita, com uma canetada, diminuir a energia elétrica. Quando veio a conta para pagar... Porque senão, teríamos um colapso no Brasil, teríamos apagões no Brasil. As contas foram reajustadas para serem pagas até 2023. Não estou me esquivando da minha responsabilidade. Mas uso sempre uma passagem bíblica: 'Por falta de conhecimento, o meu povo pereceu'. Por falta de conhecimento, a Argentina reconduziu ao governo a mesma turma do Foro de São Paulo, de Lula, Dilma, Fidel Castro, Maduro e Chávez", apontou.

Bolsonaro afirmou que a administração petista deixou um "rombo" na Petrobras para o atual governo. O presidente acrescentou que as medidas restritivas adotadas por governadores em meio à pandemia causaram o desequilíbrio na economia. "Hoje, reclamamos também da inflação no Brasil, que está alta. Sim, está bastante alta, mas qual a consequência disso? Por que esse desequilíbrio? Vem de pouco tempo, a partir de março do ano passado, quando nós vimos a política do 'fique em casa, a economia a gente vê depois'".

Sobre o projeto do governo de ICMS de combustíveis enviado ao Congresso, o presidente justificou que "não está comprando brigas com governadores", mas que todos devem assumir a responsabilidade no preço final do produto. "Não tô comprando brigas, nem acusando nenhum governador. Queremos que o parlamento regulamente uma emenda de 2001 para que todo mundo tenha sua responsabilidade no preço final de qualquer produto, em especial na questão dos combustíveis", argumentou. A proposta do governo versa que o imposto caberá ao estado de destino, ou seja, onde ocorrer o consumo. O presidente da Câmara, Arthur Lira, acenou nesta semana que deverá colocar em votação em breve o projeto.

A presença de Bolsonaro na capital mineira atraiu apoiadores e críticos ao seu governo. Em um primeiro momento, os manifestantes ficaram cara a cara no vão livre da Cidade Administrativa. Chegaram a trocar xingamentos e empurrões, tumulto logo controlado pela polícia e seguranças da Presidência da República. Os manifestantes contrários, em menor número, mudaram de local, ficando ao lado do palco e mais longe dos bolsonaristas. A pedido do presidente, os apoiadores foram liberados para chegar mais perto do palco e responderam com gritos de "mito, mito". Ao fim da cerimônia, Bolsonaro cumprimentou seus seguidores. (Com informações de Matheus Muratori, Roger Dias e Nastasha Werneck)