Título: População à espera do hospital
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 14/04/2005, Rio, p. A13

Em Queimados, obra de unidade de emergência municipal foi embargada em 1997 e até hoje não há leitos públicos

A jovem Michelle Noemi, de 17 anos, grávida de nove meses do segundo filho, será obrigada a dar à luz no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, a mais de 15 quilômetros do bairro onde mora. Todos os dias, ela lamenta o fato de não poder fazer a cirurgia a poucos metros de casa, onde o esqueleto de um hospital público virou a principal referência negativa na área de saúde de Queimados, na Baixada Fluminense, a 53 quilômetros da capital. Michelle e os cerca de 200 mil moradores não dispõem de um leito público na cidade, aumentando a procura por atendimento em outros municípios. A obra inacabada já consumiu R$ 9.179.895,50 dos cofres públicos e a equipe de intervenção do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro desconhecia o fato até terça-feira, quando alguns moradores expuseram, na porta da Alerj, cartazes, fotos e duas cruzes para simbolizar o calvário de quem mora no município.

Caso o hospital estivesse construído, a população de Queimados e de municípios vizinhos teria acesso a uma unidade de emergência com 276 leitos. O dinheiro gasto construiu apenas a casa de força e o ambulatório municipal, que ocupa 3 mil metros quadrados dos 16 mil disponíveis para o estabelecimento. A área total abrange 29 mil metros quadrados, 9 mil a mais que a Basílica de Aparecida do Norte.

O ambulatório funciona de segunda a sábado, das 7h às 18h, e está sobrecarregado. De acordo com o secretário municipal de Saúde de Queimados, Reinaldo Gripp, 36 mil pessoas foram atendidas em março, número que obrigou o secretário a exigir o comprovante de residência de quem procura a unidade.

- Somos obrigados a fazer essa triagem para evitar o caos - explica o secretário.

Na opinião da dona-de-casa Halielma Pinheiro Vieira, 30, o descaso com o dinheiro público prejudicou Queimados e provocou o falecimento de seu avô, Antonio Silvestre, em 2003, por não haver emergência na cidade.

- Uma hérnia infeccionada não pôde ser tratada no ambulatório municipal. Corremos para o Hospital da Posse e fomos parar em Paulo de Frontin, mas ele não resistiu. Para mim, isso é o exemplo de que as autoridades deveriam ser mais competentes - cobra Halielma.

Ao lado do esqueleto, o canteiro de obras da empreiteira HMG está mantido, desde que a obra foi embargada, em 1997, pelo Tribunal de Contas da União, acatando denúncia da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Foram constatadas irregularidades na aplicação dos recursos repassados à Prefeitura de Queimados, o que resultou em ação judicial por improbidade administrativa contra os ex-prefeitos Jorge Pereira (1993/1996) e Azair Ramos (1997/2000), reeleito em 2000.

- Sou inocente. Faltou orientação do Ministério da Saúde, que aprovou as quatro parcelas repassadas e anos depois veio com a história de que houve improbidade administrativa - defende-se Jorge Pereira, primeiro prefeito de Queimados, município emancipado em novembro de 1990, ano em que começaram as obras, paralisadas meses depois por falta de verbas.

municipalização da gestão da unidade de saúde aconteceu em 1994, a pedido da prefeitura. Pereira alega que a Secretaria Estadual de Saúde demorava a cumprir os prazos e o dinheiro voltava para Brasília.

- Por isso decidimos pela municipalização. Hoje eu pago o pato por algo que não tem o menor cabimento. Os tribunais de contas da União e do Estado aprovaram minhas contas - garante o ex-prefeito.

O atual prefeito, Rogério do Salão, afirmou que o presidente Lula e o ministro da Saúde, Humberto Costa, prometeram estudar uma maneira de resolver a questão judicial que impede a construção do hospital público em Queimados.

- Existe um nó jurídico que está prejudicando a população. Isso é fato. Por isso, a União e a prefeitura devem arranjar uma maneira legal de terminar a obra, para acabar com o impasse - comentou.

Rogério do Salão discursou no encontro nacional dos prefeitos, ontem, em Brasília, e aproveitou a presença do presidente e do ministro Humberto Costa para sensibilizar o governo federal. De acordo com o prefeito, o presidente já teria mencionado o fato de ter nascido numa cidade que esperou 20 anos pela construção de uma unidade de saúde.

- Tenho certeza de que encontraremos uma solução, porque pior do que a chacina é ver gente morrer por falta de atendimento médico.

Pelos cálculos do secretário de Urbanismo e Meio Ambiente de Queimados, Leandro Siqueira, seriam necessários mais R$ 29 milhões para terminar a obra.

- A estrutura aparentemente não está comprometida. Apesar da paralisação, foram feitas inspeções técnicas de consultorias especializadas, para avaliar as condições dos materiais de sustentação, e constatamos que é possível o aproveitamento - garante.