O Globo, n.31.623, 06/03/2020. Mundo. p.38

Alvo de ataques, Alcolumbre deve pautar convocação de Heleno.
Amanda Almeida 
Thais Artex 


 

Alvo de ataques dentro e fora do Congresso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), indicou que vai pautar a convocação do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, como uma resposta do Congresso ao governo. A avaliação inicial, no entanto, é a de que o Senado deve esperar os atos de rua pró-governo e, em seguida, chamar o chefe do GSI a dar explicações ao plenário da Casa sobre a acusação de que o Congresso faz “chantagem”.

A sinalização foi feita em uma tensa reunião em seu gabinete anteontem, com a participação de 30 senadores, na qual ele pregou reconciliação interna, mas ameaçou levar “excessos” ao Conselho de Ética da Casa.

A discussão acalorada entre Alcolumbre e os colegas ocorreu em meio às negociações sobre a distribuição de recursos do Orçamento de 2020. Pouco antes de suspender a sessão que analisaria o veto do presidente ao controle de R$ 46 bilhões pelo Congresso, Alcolumbre se reuniu com senadores que não apelavam pelo cancelamento da votação. Naquela tarde, ele havia sido cobrado publicamente pelo silêncio depois de o presidente Jair Bolsonaro compartilhar vídeo chamando para manifestações que têm o Congresso como um dos alvos. Com as portas do gabinete fechadas, ouviu que tem a obrigação de repartir com igualdade a parcela do Orçamento que caberá ao Senado pelo acordo feito com o governo que deixará R$ 19 bilhões sob o controle do Congresso.

A conversa ocorreu na presidência do Senado e, durante quase duas horas, se transformou em bate-boca. Segundo relatos ao GLOBO, a antessala foi esvaziada, porque gritos estavam vazando. A iniciativa do encontro foi do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que levou o grupo para o gabinete, depois de parlamentares ameaçarem esvaziar a sessão para impedir a votação. O presidente do Senado, de acordo com participantes da reunião, chegou quando os senadores já estavam lá discutindo sobre a análise do veto e dos projetos de lei encaminhados pelo governo.

SENADORES RECLAMAM

Ao chegar, o presidente do Senado ouviu que o governo desrespeitou mais uma vez o Congresso ao mandar os projetos que fazem parte do acordo tão tarde — os textos chegaram às 17h, embora prometidos para a manhã de terça-feira. No embalo, os senadores reclamaram também da relação que está sendo estabelecida entre Congresso e Palácio do Planalto na gestão Alcolumbre. Um fato apontado é ele não ter se manifestado sobre o vídeo compartilhado por Bolsonaro. Aos colegas, ele respondeu que preferiu uma conversa pessoalmente ao debate “via Twitter”. Disse também ter pedido respeito ao presidente na reunião que tiveram a sós na segunda-feira:

—Disse a ele que sou o último elo entre o governo e o Congresso.

Irritado, passou a se defender. Disse que não aceitaria mais ataques de colegas ao próprio Senado e a ele. Citou uma declaração de Jorge Kajuru (CidadaniaGO), que o teria chamado de “vagabundo”. Respondeu dizendo que “trabalha desde pequeno”. Senadores presentes contam que ele se emocionou e prometeu não mais tolerar casos semelhantes, os levando ao Conselho de Ética da Casa. Segundo relatos, a declaração não foi contestada — nem mesmo pelos integrantes do grupo Muda Senado, que estavam no encontro.

Kajuru é integrante desse bloco independente, que prega a “nova política” na Casa. São cerca de 20 parlamentares, que, embora não tenham número e articulação política para garantir a aprovação de suas bandeiras, como a instalação da CPI dos Tribunais Superiores, têm feito barulho na Casa, causando constrangimento ao presidente. Foram eles que obstruíram outras sessões marcadas para votar o veto de Bolsonaro. O grupo adotou o discurso de que é o Executivo quem deve gerir o Orçamento.

—Eu não o chamei de vagabundo. Eu disse que ele não gosta de trabalhar. Fevereiro foi um mês perdido. Não votamos nada. Ele vai mandar para o Conselho de Ética todos os que discordarem dele? — questionou Kajuru, em conversa com o GLOBO. Ele não participou da reunião, mas recebeu o recado de colegas.

Segundo aliados de Alcolumbre, no rateio posterior dos R$ 19 bilhões que serão indicados por senadores e deputados depois do acordo com o governo, o Muda Senado ficará “por último na fila”. Com a intimidação, parte do grupo tem defendido internamente mais “moderação” nas declarações.