O Globo, n. 31474, 09/10/2019. País, p. 10

Governo quer que agentes usem câmeras nos presídios

Vinicius Sassine
Camila Zarur


O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) prepara a compra de câmeras de lapela para os agentes penitenciários que atuam nas forças-tarefas responsáveis pela intervenção federal em presídios, numa tentativa de coibir práticas e acusações de tortura. A informação foi dada ao GLOBO pelo diretor-geral do Depen, o delegado de Polícia Federal (PF) Fabiano Bordignon, depois da reportagem que revelou ontem os detalhes da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal (MPF), com apontamento de reiterados casos de tortura em presídios do Pará sob intervenção federal.

Após a publicação das denúncias que levaram ao afastamento, pela Justiça, do coordenador da força-tarefa federal, Maycon Cesar Rottava, entidades ligadas à defesa dos direitos humanos criticaram a reação do governo ao caso e alertaram que o caráter excepcional da intervenções faz com que não haja um controle externo eficaz sobre sua atuação.

Fabiano Bordignon ocupa o cargo de diretor-geral do Depen a convite do ministro da Justiça, Sergio Moro. Ele defendeu a atuação do agente Maycon Rottava, à frente da força-tarefa de intervenção penitenciária em 13 presídios do Pará. Apesar da defesa em relação ao servidor, o diretor-geral afirmou que três sindicâncias apuram supostas irregularidades na atuação da força-tarefa e que “nunca compactuaria com um negócio desse”.

“Besteira”, diz Bolsonaro

Segundo Bordignon, o Depen já prepara um teste com uma microfilmadora instalada na lapela de um agente penitenciário. A prova será feita em um dos cinco presídios federais. A partir desse teste, a ideia é estender a iniciativa a todos os presídios federais e a todas as forças-tarefas de intervenção penitenciária — esses grupos estão presentes, hoje, no sistema penitenciário de cinco estados: Pará, Amazonas, Roraima, Rio Grande do Norte e Ceará.

O diretor-geral do Depen diz ter recebido uma recomendação nesse sentido da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria-Geral da República (PGR), há menos de 15 dias. Segundo ele, a recomendação era para que as câmeras fossem adquiridas em dez dias. Bordignon diz que o Depen pretende executar o plano em 2020, com a compra de 500 câmeras:

—Queremos fazer a aquisição (das câmeras de lapela) para que todos os ingressos nas unidades sejam filmados. Já existe tecnologia, isso evoluiu muito. Aí, não vai ter mais esse tipo de coisa, porque não existe a tortura e os caras não vão ter como alegar isso. Assim vamos evitar especulações. Se o MPF tiver que ingressar com ações... “Olha, está aqui (a imagem)”.

Ao ser questionado ontem sobre as denúncias de tortura, o presidente Jair Bolsonaro reclamou que os jornalistas só perguntam “besteira”. Ele afirmou que iria orar para que Deus “lave a cabeça fétida dessa imprensa”, que “não via problemas em governos anteriores”. Na última segunda-feira, o ministro Moro disse ver um “mal-entendido” na ação do MPF.

Para Leonardo Pinho, presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), o governo erra ao tentar negar as denúncias, o que pode levar a um agravamento do quadro.

— É um sinal de que o governo não irá priorizar essas questões, são mensagens que corroboram para o aumento da letalidade e da violência policial. E para a ideia de que os presos não têm direitos —afirma.

Integrante da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da OAB, Everaldo Patriota fez parte das inspeções nos presídios no Pará e afirmou não haver dúvidas sobre os maus tratos:

— Não é uma questão de narrativa, é uma questão de evidências. O Estado não pode adotar práticas absurdas para controlar a ação das facções, se igualando a elas.

O advogado do Programa de Violência Institucional do instituto Conectas Henrique Apolinario chama atenção para a falta de controle externo da intervenção:

— A força-tarefa entra para abafar (uma crise), não é uma medida que busque a racionalizações das prisões. Por ter esse caráter extraordinário, não tem um mecanismo de controle externo. Então, é um marco essa movimentação do MPF.