Título: Transparência para voar
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 03/04/2005, Outras Opiniões, p. A15

O presidente da Varig me informou que até a próxima sexta-feira a direção da empresa concluirá o exame das propostas alternativas de venda parcial do controle acionário

O Brasil enfrenta hoje uma séria crise no setor de aviação. Empresas tradicionais passam por dificuldades que podem levá-las até a extinção, com reflexos extremamente negativos na economia do país e no mercado de trabalho.

Recomendo aos senadores e a todos os leitores que assistam ao filme O aviador, de Martin Scorcese, sobre Howard Hughes, um homem que se transformou quase numa lenda em seu tempo. Ainda moço herdou toda a fortuna da família, e a utilizou para desenvolver sua vocação, fazer cinema, e construir, experimentar e pilotar aviões. Ao assumir o controle da TWA, começou a preocupar a outra grande empresa de aviação aérea civil nos Estados Unidos, a Pan American.

A Pan American resolveu interagir com um senador e solicitar que este elaborasse uma lei que lhe assegurasse o monopólio nas viagens internacionais. Insistiu também com Hughes para que vendesse o controle da TWA. Hughes sofreu ameaças de convocação pelo Congresso e de desmoralização. O senador, presidente da Comissão que examinava a aviação comercial norte-americana, chegou a ameaçá-lo: divulgaria que Hughes não cumprira contratos com a Força Aérea durante a II Guerra Mundial, para o fornecimento de aviões, caso não concordasse com a venda de suas ações da TWA para a Pan American. Hughes entrou em depressão e veio a sofrer de transtorno obsessivo compulsivo. Foi durante uma dessas crises que Ava Gardner o encontrou, trazendo-o de volta à realidade. O argumento foi um só: falar a verdade, e com coragem.

Ao sair do cinema, fiquei pensando nas histórias da Panair do Brasil, da Transbrasil, da Vasp, da Real, da Cruzeiro do Sul e, presentemente, da Varig, da Rio-Sul, da Nordeste, da TAM e da GOL. Pensei também em cada um dos personagens, como Mário Wallace Simonsen, Omar Fontana, o comandante Rolim, Rubem Bertha, Wagner Canhedo e Constantino Junior, entre outros.

Tenho recebido vários grupos de aeroviários e aeronautas, preocupados com a situação da Vasp, que há alguns meses foi fechada e teve sua sede lacrada recentemente. Em cada uma dessas situações, somos instados a nos preocupar com a solução, seja para as empresas ou para os empregados. Nessas ocasiões, é preciso haver total transparência a respeito da maneira como será resolvido o problema. Há alguns anos, a Vasp estava sob o controle do governo do Estado de São Paulo, mas foi privatizada para que se tornasse administrativamente eficiente. Isso não aconteceu. A própria administração pública do governo estadual, detentora de mais de 40% do controle na época, hoje mal tem 4%. Para onde foi o controle da Vasp e os direitos dos que trabalhavam na empresa?

A Fundação Rubem Bertha, por muito tempo elogiada pela participação de funcionários nas decisões administrativas, passou a viver dificuldades crescentes. A Varig tem um grande endividamento. O ministro da Defesa, vice-presidente da República José Alencar, e o comandante da Aeronáutica buscam uma saída para as empresas. Possivelmente, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado se manifestará sobre como proceder em relação a essa questão.

É preciso que cada passo seja dado da forma mais aberta e transparente possível, com conhecimento por parte da dos aeronautas, dos aeroviários, dos passageiros, da população que não anda de avião e de todos nós, sobre o que aqui se passa.

Esse assunto tem sido objeto de análise pelo ministro da Defesa, o presidente Lula da Silva e diversos ministros. O presidente da Varig, Carlos Luiz Martins, me informou que até a próxima sexta-feira a direção da empresa concluirá o exame das propostas alternativas de venda parcial do controle acionário. Ele gostaria de realizar um acerto de contas com o governo, tendo em conta um crédito favorável à Varig referente às conseqüências dos planos de estabilização de preços que foram objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça.

O presidente Lula da Silva avalia que o governo não deve intervir e que o melhor será uma solução para a empresa no âmbito do setor privado que respeite a legislação vigente. Ademais, o governo está se empenhando para que o Senado conclua a votação do projeto de lei 00062/2004 que cria a Agência Nacional de Aviação Civil.