Título: Descontrole faz governo perder receita
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 03/04/2005, País, p. A2

Especialistas dizem que desleixo na fiscalização gera fraudes bilionárias Um dos maiores imbróglios políticos dos últimos tempos - a novela em que se transformou a Medida Provisória 232 - girou em torno de um perda de receita estimada em R$ 2,5 bilhões. A insistência do governo em elevar impostos para recuperar o dinheiro gerou uma mobilização nacional contra o aumento da carga tributária - que hoje representa 36% do Produto Interno Bruto - e fez entrar em cena um outro ângulo da discussão: a má qualidade e a falta de controle e fiscalização do gasto público, que gera a formação de máfias e provoca rombos bilionários. Os R$ 2,5 bilhões parecem insignificantes quando se compara, por exemplo, esse número, com os mais de R$ 80 bilhões que o governo deixa de arrecadar por ano em impostos, em razão da venda de mercadorias piratas. Ou com o déficit da Previdência, que deve ultrapassar os R$ 35 bilhões este ano, e tem na apropriação indébita das contribuições uma das principais causas. Apenas dois escândalos na área da Saúde - o da Máfia dos Vampiros e o dos atendimentos fantasmas - representaram um desvio em torno de R$ 4 bilhões, bem mais que a receita perdida.

- R$ 2,5 bilhões é o que estamos pagando de juros por semana. Se a taxa de juros fosse reduzida para 18,25%, o que ainda é demais, essa perda estaria recuperada - avalia o economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ.

Os especialistas convergem no entendimento de que aumentar ainda mais a carga tributária para resolver o problema foi um decisão desastrada, além de se constituir numa das maiores trapalhadas políticas da atual administração.

O diretor executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, assim como o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, concordam que a pressão tributária sempre atinge e prejudica o mais fraco, como seria o caso dos prestadores de serviços sem empregados - muitos deles apenas formais proprietários de firmas. Na prática, são empregados das empresas que procuram se desonerar da pesada carga trabalhista.

Fleischer cita o caso de uma montadora de automóveis, no Rio Grande do Sul, onde quase toda a mão de obra foi agrupada em cooperativas.

- Os pequenos não conseguem escapar. Mas há empresas que se transformam em grandes sonegadoras e ficam impunes porque financiam campanhas de políticos - acusa Fleischer, que é presidente da ONG Transparência, Consciência e Cidadania.

No Brasil o aumento da carga tributária ''só funciona para o mais fraco, aquele que não consegue repassar seus custos'', complementa Claudio Weber Abramo. O diretor da Transparência Brasil realça que para tapar os ralos da administração e melhorar a qualidade do gasto, o mais importante é tornar eficaz a máquina pública, valorizando e qualificando o funcionalismo, que, de outra forma, fica mais suscetível à corrupção.

- É escandalosa a incompetência do estado brasileiro, em todas as esferas, para coletar, processar e divulgar informações básicas. Gestor sem informação decide mal, e a corrupção brota onde há ineficiência. Tomei conhecimento, por exemplo, que o estado de São Paulo sabe qual a diferença entre o seu PIB tributável e o que efetivamente arrecada. Porque esses números não são divulgados?

Como fatores que favorecem a corrupção e a conseqüente perda de receita, Abramo cita a desestruturação dos sistemas de controle e auditoria. E exemplifica com o que ocorre nas áreas de Educação e Saúde.

- Não adianta repassar verbas para os municípios, por exemplo, sem dispor de mecanismos de controle que previnam desvios e que não são difíceis de implementar, se houver, de fato, interesse. Passar toda a responsabilidade para o Ministério Público e a Polícia Federal não vai resolver o problema.

Reinaldo Gonçalves também considera fundamental investir no aperfeiçoamento da máquina pública, mas ressalva que o loteamento político de cargos vitais acelera a ineficiência generalizada.

- A primeira medida do governo na área da Previdência foi diminuir o valor do auxílio-doença, para economizar. Mas os ralos continuam abertos e, além disso, o caráter excessivamente centralizador do governo Lula cria insegurança e torna a administração ainda mais ineficaz. Posso ser um ministro muito prestigiado hoje e amanhã não ter peso nenhum. A cooptação política generalizada só agrava o quadro. - afirma o professor da UFRJ.

Claudio Abramo lembra que as conveniências políticas muitas vezes levam à falta de controle dos gastos e à ausência de punição, uma forma de evitar as queixas de um certo tipo de ''aliado''.

- Além disso, o controle exercido pela sociedade, por meio dos conselhos comunitários, ainda é uma quimera num país em que o poder feudal persiste em muitas regiões - afirma.