O Globo, n. 31540, 14/12/2019. Sociedade, p. 34

Amazônia em risco: pressão do pasto sobre a floresta
Leandro Prazeres


Especialistas em meio ambiente temem que a alta do preço da carne no mercado internacional possa levar a um aumento ainda maior nas taxas de desmatamento da Amazônia. Estudos indicam que a subida no preço da carne em um ano tende a ser seguido de crescimento no desmatamento no ano seguinte. O consenso é que, sem fiscalização rígida, o aumento do preço da carne pode aumentar as taxas de destruição da floresta. Entre agosto de 2018 e julho de 2019, o desmatamento na Amazônia cresceu 29% e acabou com uma área de 9,7 mil km² de mata nativa. Entre novembro de 2018 e novembro de 2019, o aumento médio da arroba do boi gordo foi de 28%, saindo de uma cotação de R$ 147,08 para R$ 189,08.EmBarretos(SP),um dos principais mercados de carne bovina no Brasil, a arroba chegou a custar R$ 228. Na última quinta-feira, o preço havia recuado para R$ 202. Apesar do recuo, o valor ainda é bastante superior ao registrado no início do ano. A alta foi puxada, em grande medida, pelo aumento da demanda chinesa pelo produto. Para o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Paulo Barreto, “esse aumento pode criar mais pressão pelo desmatamento na região”:

— Com os preços da carne em alta, fica mais atrativo abrir mais pasto para criar mais gado. A atividade fica mais lucrativa. Barreto explica que o aumento do preço da carne, sozinho, não seria suficiente para contribuir com o crescimento do desmatamento. Segundo ele, já houve momentos em que o preço da carne aumentou, mas o desmatamento não acompanhou essa tendência. Ele diz, no entanto, que isso aconteceu em momentos em que a fiscalização contra o desmatamento estava mais rígida.

O problema, segundo ele, é que o governo não indica que a fiscalização será incrementada, o que abre espaço para mais destruição em áreas da Amazônia para serem transformada em pasto.

— Se você tem um aumento do preço e uma fiscalização mais leniente, a tendência é que haja, sim, aumento. Além disso, temos um outro fator que pode incentivar isso, que é a pavimentação da BR-163, que corta o Pará. Ela facilita o escoamento de produtos agropecuários e cria um incentivo a mais.

Para a ecóloga Nurit Benusan, “o vínculo é bastante claro: com o aumento do preço da carne, o pessoal fica querendo ainda abrir mais áreas para a pecuária”.

— A pecuária na Amazônia é de baixíssima produtividade. Juntando isso ao desmonte das instituições e políticas de combate ao desmatamento e à grilagem, cada vez mais gente vai “abrir” novas áreas para a pecuária. — afirma. — Não há uma política séria de aumento da produtividade. A aposta é sempre na abertura de novas áreas para a pecuária.

A relação entre o aumento no preço da carne e o desmatamento foi detectada em ao menos dois estudos. Em 2010, um levantamento indicou a existência de uma relação direta entre os dois. O estudo, que tem o pesquisador Jorge Hargrave como um dos autores, analisou dados de 368 municípios da Amazônia entre os anos de 2002 e 2007. Hargrave, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), hoje trabalha no Ministério da Economia.

Segundo o estudo, a cada R$ 10 de aumento no preço da carne em um ano, há um crescimento de 0,9% nas taxas de desmatamento no ano seguinte. Outra pesquisa, publicada em 2015 e produzida por Juliano Assunção, Clarissa Gandour e Rudi Rocha, identifica a relação entre as duas coisas. Essa ligação entre carne em alta e desflorestamento só foi quebrada, segundo o estudo, quando o governo intensificou a política de proteção ao ambiente. Isso demonstraria que é possível reduzir as taxas de destruição da floresta apesar da pressão causada pela alta da carne.

O estudo analisou o período de 2004 a 2008, quando a cotação da arroba saiu de R$ 46 para R$ 65. No mesmo período, houve redução drástica nas taxas de desmatamento na Amazônia. Em 2004, a Amazônia havia perdido 27 mil km² de floresta. Em 2008, a taxa havia caído para 12,9 km².

Ruralistas negam teoria

Apesar do temor dos ambientalistas, ruralistas negam que o aumento do preço da carne possa fomentar o desmatamento na Amazônia. Questionada pela reportagem, a Confederação Nacional da Agropecuária (CNA) disse que a alta dos preços, em vez de resultar em redução da floresta, vai diminuir a pressão contra a floresta.

“Ao contrário, o aumento nos preços internacional e nacional aumenta a capacidade de investimentos em tecnologia e reduz apressão por ampliação de novas áreas. Nos últimos dez anos, o preço da tonelada de carne internacional subiu 21,5%, sendo que no mesmo período a pecuária brasileira reduziu a área ocupada com pasta gemem 11,7% e ampliou de 1,15 para 1,36 cabeças por hectare, um aumento de 18% na taxa de ocupação da área ”, disse aCNA, em nota.

A pecuária é um dos principais responsáveis pelo desmatamento da Amazônia. Todos os anos, milhares de hectares de floresta são derrubados, em geral por grileiros, para serem utilizados como pasto. Dados do Mapbiomas (projeto de monitoramento ambiental via satélite), nos últimos 30 anos, mostram que as áreas de pasto na Amazônia cresceram 74%.

Investigações indicam que, depois de desmatada, a área é utilizada como pasto tanto para pequenos fazendeiros quanto par agrandes pecuaristas que arrenda messas terras ilegalmente e vendem a carne utilizando subterfúgios como a fraude de guias de transporte animal. A falcatrua é usada para transformar, artificialmente, gado criado em área ilegal em gado legal. Muitas vezes, essa carne vai parar em frigoríficos de grande porte.

“Com os preços da carne em alta, fica mais atrativo abrir mais pasto para criar mais gado. A atividade fica mais lucrativa”  Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.