O Estado de S. Paulo, n. 46882, 25/02/2022. Política, p. A9

Aprovação de projeto que legaliza jogos expõe racha na base do Planalto

Vera Rosa 
Iander  Porcella 


A aprovação do projeto de lei que legalizou os jogos de azar no Brasil, na madrugada desta quinta, 24, expôs o racha na base aliada do governo de Jair Bolsonaro. Deputados que compõem a Frente Parlamentar Evangélica se sentiram abandonados pelo Palácio do Planalto, acusaram a cúpula do Progressistas, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, de agir contra os interesses do próprio presidente e prometeram dar o troco.

Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, à noite, Bolsonaro reiterou a promessa de vetar o texto. Avisou, porém, que o poder de sua caneta tem “limite”. Após a votação na Câmara, bolsonaristas avaliaram que o presidente pode perder apoio de religiosos nas eleições de outubro, caso não consiga barrar o avanço da proposta. O projeto ainda precisará passar pelo crivo do Senado, onde enfrenta resistências, embora conte com o apoio da bancada do Progressistas e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

‘Minado’. “O presidente precisa rever o governo dele, que está minado ideologicamente”, disse ao Estadão o deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), que comanda a Frente Parlamentar Evangélica. Sóstenes citou Lira, Ciro e o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PR), como os principais responsáveis pela aprovação do projeto que legalizou cassinos, jogo do bicho e bingos no País.

“Ciro tem o governo na mão e operou de dentro do Planalto. Bolsonaro precisa saber escolher melhor quem põe do lado dele”, criticou o deputado, ao dizer que Lira perdeu apoio para se reeleger presidente da Câmara. Nem ele nem Ciro quiseram se manifestar. O único que rebateu Sóstenes foi Barros. “Sigo as orientações do Planalto”, reagiu o líder do governo.

Na própria frente evangélica, porém, houve traições. Dos 114 deputados desse grupo, 15 votaram a favor do projeto. (mais informações nesta página). Sóstenes isentou Bolsonaro do resultado final – foram 246 votos a favor da proposta, 202 contrários e 3 abstenções -, sob o argumento de que ele não entra no varejo das articulações políticas. Não foi este, porém, o diagnóstico de outros aliados do governo.

Diante da ofensiva do Centrão, deputados contrários ao projeto não conseguiram emplacar ontem nem mesmo os chamados “destaques” para alterar pontos do texto aprovado. “Alguns querem que eu reprove ou aprove certas coisas lá. Tenho meu limite”, disse Bolsonaro na live. “Fiz o que pude junto aos parlamentares mais próximos da gente para ver se derrotava o projeto lá. Infelizmente, foi aprovado.”

Apoiador de Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi às redes sociais para se insurgir contra o sinal verde dado pela Câmara à proposta. “Isso é uma vergonha, minha gente! Nós vamos ver os partidos e deputados que votaram (para na próxima) eleição agora dizer não”, afirmou Malafaia. “Sabe a quem interessa isso? Capital estrangeiro, narcotráfico e lavagem de dinheiro”, emendou.

Antes mesmo da aprovação desse projeto, Bolsonaro já havia convidado os cem principais líderes de igrejas evangélicas para um café no Palácio da Alvorada, em 8 de março. A ideia é reaglutinar sua base de apoio e mandar um recado político de que tem a maioria da cúpula das igrejas no momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avança sobre esse segmento. O Estadão apurou que pastores vão dizer a Bolsonaro que, se ele não se posicionar de forma mais contundente contra a legalização da jogatina, terá grande prejuízo eleitoral.

CNBB. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também criticou a aprovação do projeto que legaliza os cassinos e indicou o link da Câmara para que o eleitor pudesse verificar como cada parlamentar votou. “É importante, principalmente nesse ano eleitoral, avaliar a posição assumida”, disse o presidente da CNBB, d. Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte.