O Globo, n. 31475, 10/10/2019. Sociedade, p. 24

Óleo avança e chega ao São Francisco

Rafael Garcia


Após mais de um mês do derrame de óleo no litoral nordestino que ainda não foi esclarecido, equipes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Capitania dos Portos encontraram ontem manchas de petróleo na areia e nas águas do rio São Francisco, nas duas margens de sua foz, que divide Alagoas e Sergipe.

O petróleo já contamina 139 localidades em 63 cidades dos nove estados do Nordeste, conforme levantamento atualizado do Ibama. Ao menos 19 animais, a maioria tartarugas, também foram contaminados.

O secretário de Meio Ambiente de Piaçabuçu (AL), Otávio Nascimento, diz que o resquício do derramamento encontrado na foz do São Francisco não foi grande, mas representa uma ameaça de contaminação:

— A gente precisa entender qual foi o problema, e o governo ainda não disse isso. Não recebemos uma ligação do ministro, uma fala de ajuda.

Entre as hipóteses da Marinha para explicar o surgimento do óleo na costa estão o naufrágio de um navio, derramamento acidental, manobra de uma embarcação ou troca de óleo entre navios. Até agora, os militares descartam apenas duas hipóteses: fissura no leito marinho, a partir da qual haveria emissões de petróleo, e lavagem de tanques de navios, em razão da grande quantidade de óleo encontrada (mais de 130 toneladas).

Um grupo de pesquisadores estudando a origem do óleo que está desaguando nas últimas semanas em praias do Nordeste trabalha coma hipótese de um navio afundado décadas atrás estar sofrendo novo vazamento. A teoria está sendo investigada pelo químico oceanógrafo Rivelino Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará, que saiu em expedição nesta semana para coletar amostras a serem enviadas para o Instituto de Oceanografia de Woods Hole (WHOI), nos EUA, que vai investigara composição do material.

— Queremos saber se esse óleo é extraído mais recentemente ou se é mais velho — explica o pesquisador.

Como a UFC não possui laboratório capaz de responder à questão, é o geoqúímico Christopher Reddy, do WHOI, que fará as análises. Ele diz ser “totalmente razoável” que essa liberação de óleo seja de um naufrágio.

— O fato de ser intermitente e fragmentado está em linha com algo como uma mudança recente no navio afundado que criou esse vazamento.

Borracha misteriosa

Um evento relativamente recente que deixou curiosos os cientistas foi o encontro de grandes pedaços de borracha em praias do Nordeste desde o fim do ano passado. O material foi identificado como “fardos” de látex, forma típica que a indústria da borracha usa para transportá-los.

Carlos Teixeira, oceanógrafo da UFC, buscou registros de naufrágios no Atlântico e encontrou a localização de um navio alemão afundado em 1944, a 1.000 km do Recife, que estava de fato transportando essa carga. Um dos fardos achados na Bahia indicava “Indochina Francesa” (atuais Camboja, Laos e Vietnã) como a origem do produto.

— Como a Indochina Francesa deixou de existir em 1953, creio que respondemos à pergunta sobre de onde veio essa borracha —diz Teixeira.

O pesquisador acreditava que o vazamento também viesse deste naufrágio, mas mudou de ideia: correu ontem na comunidade científica a notícia extraoficial de que a Petrobras classificou o óleo como de extração recente, o que invalida a tese do naufrágio. Rivelino e Reidy seguem, no entanto, apoiando a hipótese.

A empresa não se pronunciou sobre o assunto. A Marinha descartou a hipótese de naufrágio recente, mas não se pronunciou sobre a possibilidade levantada pela UFC.