O Globo, n. 31510, 14/11/2019. Mundo, p. 26

Zona de livre comércio pode prejudicar indústria
Marcello Corrêa
João Sorima Neto
Ana Paula Ribeiro


A criação de uma zona de livre comércio entre Brasil e China, como revelado ontem pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a conferência do Brics em Brasília, pode elevar muito o fluxo comercial com o país asiático, dar acesso a novas tecnologias e a um mercado consumidor gigantesco, segundo analistas. Mas existe o risco de uma abertura comercial prejudicar setores da indústria nacional. Por isso, especialistas avaliam que a criação dessa zona de livre comércio precisa ser negociada minuciosamente.

Para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco japonês Mizuho no Brasil, como a China avançou nos últimos anos em desenvolvimento tecnológico e a indústria automobilística cresceu na última década, o Brasil poderá se beneficiar desses progressos. Ele ressalta que a economia chinesa cresce num ritmo forte e que o mercado consumidor chinês é muito robusto — dois pontos que também interessam ao Brasil. Mesmo assim, alerta, a criação da zona de livre comércio teria que ser analisada criteriosamente.

— O Brasil não pode abrir sua economia da noite para o dia,sob o risco de colocar setores sob forte impacto, em razão de protecionismo que tiveram por anos e condução da política econômica de forma errada. O Brasil poderia ser favorecido com acesso à tecnologia, mas isso terá que ser muito negociado — afirma.

Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio fundador do Siqueira Castro Advogados, considera que o fato de o Brasil fazer parte do Mercosul não é impeditivo para um acordo com a China. Mesmo que algum membro viesse a se queixar, seria possível adotar medidas compensatórias.

— Esses tratados podem aumentar o fluxo de comércio entre os dois países. É muito mais fácil conseguir isso em um acordo bilateral. Caso algum membro do Mercosul externe uma reclamação, é possível pensar em medidas compensatórias — avaliou.

Sem entrar em detalhes, Paulo Guedes disse que o Brasil está negociando a criação de uma área de livre comércio com a China.

— Fizemos um acordo com a União Europeia e agora estamos conversando com a China sobre a possibilidade de criarmos uma free trade area, ao mesmo tempo em que falamos em entrar na OCDE — disse Guedes na palestra, usando o termo em inglês para área de livre comércio.

Comércio de US$ 100 bi

De acordo com fontes, o objetivo é fazer a abertura comercial e ampliar a integração entre os dois países seguindo cinco critérios: cronologia, intensidade, avanço das reformas estruturais, abrangência setorial e capacidade de promoção comercial. O processo, porém, ainda está em estágio inicial.

O governo brasileiro tem interesse em ampliar o fluxo comercial com o país asiático. Os mecanismos para isso ainda estão sendo estudados. O tema não consta entre os nove atos, entre acordos e memorandos de intenções assinados entre os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e da China Xi Jinping. Em seu discurso no Fórum Empresarial dos Brics, Bolsonaro não citou o assunto.

Na avaliação de uma fonte da área econômica, é difícil especificar o que seria um acordo com a China, porque a palavra “acordo” carrega um “oceano” de significados. Em outras palavras, ainda é difícil estabelecer os termos em que o acordo se daria. O Brasil tem hoje um fluxo comercial anual de cerca de US$ 100 bilhões com a China, segundo os dados mais recentes do Ministério da Economia.

No caso da cronologia e intensidade, será preciso estabelecer em quanto tempo e quão forte será o processo de cortes de tarifas, caso o plano vá à frente. No caso do avanço de reformas estruturais, a avaliação é que o Brasil já percorreu parte do caminho para se preparar para ampliar a integração global. A abrangência setorial diz respeito a garantir que as medidas sejam válidas para o máximo de setores possível, não beneficiando ou prejudicando apenas alguns segmentos específicos.