O Estado de S. Paulo, n. 46883, 26/02/2022. Política, p. A10
Bolsonaro troca direção da PF pela 4ª vez e nomeia delegado ligado a ministro
Breno Pires
A cerca de sete meses da eleição presidencial, a Polícia Federal teve mais um diretor-geral demitido pelo governo Jair Bolsonaro. O delegado Paulo Maiurino, com apenas dez meses no cargo, foi exonerado, em uma decisão que pegou de surpresa a classe de delegados. Na quarta substituição de diretor-geral no mandato de Bolsonaro, a PF passará a ser comandada por um homem de confiança do atual ministro da Justiça, Anderson Torres, o delegado Márcio Nunes de Oliveira.
A mudança traz novamente à tona a sombra da interferência política na PF e confere maior poder a Torres, amigo pessoal do presidente da República. Torres havia aceitado o nome de Maiurino, mas não foi uma escolha sua.
Márcio Nunes de Oliveira ingressou na Polícia Federal na mesma geração de Anderson Torres e era atualmente o seu braço direito no Ministério da Justiça, no cargo de secretário executivo. Agora ex-diretor da PF, Maiurino foi nomeado para chefiar a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad). As mudanças foram confirmadas em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), ontem. A portaria foi assinada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Delegados ouvidos reservadamente pelo Estadão disseram que a troca foi inesperada, pois não havia rumores de mudança. A gestão de Maiurino no comando da corporação, porém, tinha sofrido desgastes internos e perante a opinião pública. De um lado, ele foi criticado por exonerações de delegados cuja atuação havia incomodado o Planalto.
Um dos afastados por ele foi o superintendente da PF no Distrito Federal, Hugo de Barros Correia, em um momento em que delegados lotados nesta unidade avançavam em investigações sobre aliados de Bolsonaro e o quarto filho do presidente, Jair Renan.
Nota. Delegados também não receberam bem a nota pública em que a PF respondeu às críticas do candidato a presidente Sérgio Moro (Podemos), exministro da Justiça nos primeiros 16 meses do governo Bolsonaro e ex-juiz da Lava Jato. Pivô do inquérito do Supremo Tribunal Federal que apura se Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF, Moro disse que o órgão não investiga mais grandes casos de corrupção.
Em nota aprovada por Maiurino, a corporação disse que Moro mentiu e que a PF não deve ser usada como “trampolim eleitoral”. A percepção entre delegados foi a de que o diretor perdeu a mão, absorvendo uma crítica de um político com pretensões eleitorais.
O ministro Anderson Torres não explicou o motivo da demissão de Maiurino, na mensagem que publicou nas redes sociais sobre a troca no comando da PF. Torres escreveu que “convidou” Maiurino para assumir a “relevante função de secretário da Senad”. Disse também que o novo diretor-geral da PF, Márcio Nunes de Oliveira, deixa um “grande legado” como secretário executivo do Ministério da Justiça.
Carreira. O novo diretor-geral é afinadíssimo com Torres. Márcio Nunes foi superintendente da Polícia Federal no Distrito Federal e é respeitado dentro da instituição. Diferente de Torres e de Maiurino, fez carreira predominantemente na PF. O ministro e o ex-diretor-geral passaram a maior parte dos últimos dez anos em cargos de comissão no Executivo ou no Legislativo.
Maiurino é o terceiro diretor-geral afastado em apenas três anos e dois meses de governo Jair Bolsonaro, o que indica instabilidade em um órgão crucial para o Palácio do Planalto. Antes dele, os delegados Maurício Valeixo (na gestão de Moro como ministro da Justiça) e Rolando Alexandre de Souza ocuparam a cadeira número 1 da PF. Entre tais nomes, o delegado Alexandre Ramagem chegou a ser nomeado para o cargo, mas sua posse acabou suspensa por ordem do Supremo Tribunal Federal.
Relatóio. A mudança na chefia da Polícia Federal ocorre no mesmo mês em que a corporação apresentou relatório parcial no âmbito do inquérito que apura a divulgação, pelo presidente Jair Bolsonaro, de uma investigação sigilosa sobre um ataque hacker aos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.
A PF viu “atuação direta, voluntária e consciente” do chefe do Executivo na prática do crime de violação de sigilo funcional, mas não o indiciou em razão de seu foro por prerrogativa de função. O procuradorgeral da República, Augusto Aras, porém, defendeu o arquivamento da investigação.
Procurados pela reportagem, a Polícia Federal, o Ministério da Justiça e o Palácio do Planalto não explicaram o motivo da demissão de Maiurino.
A nova mudança, que enfatiza a volatilidade das composições da cúpula da PF, foi descrita como preocupante por associações e entidades da sociedade civil e representativas. “Sucessivas trocas no comando da instituição geram consequências administrativas e de gestão que podem prejudicar a celeridade e a continuidade do trabalho de excelência apresentado pela PF”, escreveram, em nota, a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol).
As duas entidades, no entanto, elogiaram o currículo de Márcio Nunes. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública criticou a falta de “clareza nos critérios adotados para a substituição” do diretor-geral da PF.