O Estado de S. Paulo, n. 46883, 26/02/2022. Economia & Negócios, p. B1

Para reanimar indústria, governo decreta redução de 25% no IPI

Eduardo Rodrigues
Lorenna Rodrigues
Guilherme Pimenta
Cleide Silva


Pressionado a apresentar uma agenda positiva que ajude a impulsionar a campanha para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o governo reduziu ontem o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A alíquota diminuiu 25% para todos os produtos – incluindo bebidas e armas. A única exceção são os cigarros, que pagam tributo de 300%.

A redução foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) no início da noite, horas depois de Bolsonaro, em evento pela manhã, dizer que haveria "excelente notícia para a industrialização brasileira" no mesmo dia. A expectativa de anúncio pegou de surpresa técnicos do Ministério da Economia, que não esperavam a publicação da medida antes do carnaval.

No início de fevereiro, o Estadão/broadcast antecipou que o governo estudava diminuir a alíquota entre 15% e 30%. A redução é uma tentativa de impulsionar a indústria e a venda de produtos como linha branca e automóveis. Com a medida, o governo deixará de arrecadar R$ 19,5 bilhões neste ano, R$ 20,9 bilhões em 2023 e R$ 22,5 bilhões em 2024. Metade desse montante desfalcará o caixa da União e, a outra metade, o de Estados e municípios.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, destacou que 300 mil empresas serão beneficiadas. "A redução de 25% no IPI é o marco do início da reindustrialização brasileira após quatro décadas de desindustrialização", disse. "Não pode haver recuo nisso, daqui para frente é redução de impostos."

Guedes garantiu que não haverá novas reduções de IPI neste e no próximo ano, para não prejudicar a Zona Franca de Manaus, que perde sua vantagem competitiva. "Não fosse a Zona Franca, a redução de IPI seria maior, certamente de 50%. Como respeitamos a Amazônia, foi só 25%. Isso tem de ser feito com muito cuidado, com uma transição lenta e com mecanismos compensatórios para garantir vantagem da Amazônia", acrescentou.

Ele disse ainda que a redução deve ter um impacto de curto prazo na inflação, mas que esse não é o objetivo da medida. Conforme Guedes, a redução do IPI abre espaço para uma nova rodada de cortes no Imposto sobre Importação de bens no futuro. No fim do ano passado, o governo anunciou um corte de 10% nas alíquotas do tributo sobre importados de fora do Mercosul.

Em nota, a Secretaria-geral da Presidência da República ressaltou que a arrecadação de tributos federais bateu recordes em janeiro de 2022. "Há, portanto, espaço fiscal suficiente para viabilizar a redução ora efetuada, que busca incentivar a indústria nacional e o comércio, reaquecer a economia e gerar empregos."

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade, afirmou que a medida, além de reduzir a carga tributária para o setor, diminui os preços dos produtos industriais, com benefícios para os consumidores e no controle da inflação. "Nos últimos 10 anos, a indústria de transformação encolheu, em média, 1,6% ao ano. Perdeu espaço no PIB brasileiro e na produção mundial. Perdeu espaço nas exportações brasileiras e nas exportações mundiais de manufaturados", afirmou.

Nos cálculos do Ministério da Economia, a medida injetará R$ 467 bilhões no PIB em 15 anos e R$ 314 bilhões em investimentos em 15 anos.

Como o IPI tem natureza regulatória, a alíquota pode ser mudada por decreto, sem passar pelo Congresso Nacional e sem necessidade de compensar com corte de gastos ou aumento de outros impostos. Conforme o Ministério da Economia, as novas alíquotas passam a vigorar imediatamente.

Críticas. Entre economistas de fora do governo, a redução do IPI foi recebida com cautela. A desoneração é vista por analistas como um risco aos cofres públicos sem eficácia para a reindustrialização.

Isoladamente, a medida não auxiliatia no processo de retomada industrial, que é complexo e precisa ser feito no médio ou longo prazo, avaliou o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. "A redução só vai facilitar a vida das empresas, que vão aumentar suas margens", afirma. Em sua avaliação, dizer que o corte da alíquota vai ajudar as empresas a melhorar a competitividade "é um embrulho 100% político". Juliana Damasceno, economista da Tendências Consultoria e pesquisadora associada da FGV/IBRE, ressalta que o próprio ministério calcula um déficit atual de cerca de R$ 7 bilhões no Orçamento para cobrir despesas já previstas.

Também há outras "pautas bomba" em discussão no Congresso que devem sugar outra parte do Orçamento. "Não é momento para essa desoneração do IPI", afirmou Juliana. Além disso, diz ela, não é com uma baixa desse imposto que a industrialização seria fomentada. O País, diz ela, tem uma complexidade tributária e, para resolver isso, seria preciso uma reforma tributária, e não soluções temporárias.

"Não há uma análise séria, feita por gente qualificada, para essa redução, pois antes é necessário ter alguma substituição (da desoneração) para não ter uma crise fiscal mais adiante", disse Fabio Silveira, sócio da consultoria Macrosector, para quem o ministro "está jogando para a torcida".

Defensor da reforma tributária e da criação de um imposto único (IVA), o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, admite que só o IPI menor não vai ajudar a atrair investimentos e a reindustrializar o Brasil, mas sim a melhoria do ambiente econômico, da competitividade e do custo Brasil. Barbato diz que "qualquer redução de carga é bem-vinda", mas acredita que um impacto significativo no setor produtivo só vai ocorrer com uma política industrial que acabe "com o manicômio tributário que afasta investidores". / Colaborou Célia Froufe