Título: É hora de remover todos os tumores
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 09/04/2005, País / Coisas de Política, p. A2

A crescente desenvoltura dos chefões do crime organizado, que controlam com espantosa brutalidade morros, bairros e cadeias, tem induzido milhares de moradores do Rio a render-se ao domínio do medo. Confrontados com o poderio assassino dos traficantes de armas e drogas, multidões já capitularam. O medo como rotina agora se espraia por toda a metrópole e vai roçando as fímbrias do pânico, com os desdobramentos das investigações em torno da chacina da Baixada Fluminense. Ainda estão em curso, mas avançaram suficientemente para expor a gangrena que afeta o organismo policial. Tanto a polícia civil quanto a PM estão contaminadas pela infiltração de homicidas, ladrões, extorsionários, corruptos - todas as tribos da delinqüência estão ali. São bandidos camuflados de defensores da lei e da ordem. Como confiar num sistema de segurança que escancara purulências? É preciso remover de imediato as partes gangrenadas. E que os bisturis não sejam manuseados por mãos vacilantes.

Antes que o governador regente Anthony Garotinho e o prefeito Cesar Maia, dois ilusionistas da aritmética, saquem das gavetas estatísticas que reduzem o mundo a comparações numéricas, sejam feitas ressalvas relevantes. Primeira: o Rio não é a mais violenta metrópole do Brasil. Aparece atrás de outras cinco no campeonato nacional da barbárie, liderado por Recife e, alguns cadáveres abaixo, Vitória.

Tampouco se restringe ao Rio o fenômeno da bandidagem resguardada por carteirinhas de homens da lei. O câncer se espalha por todo o país e alcançou também a Polícia Federal. Em São Paulo, o comando da PF acaba de expor publicamente a banda podre e promete punir com dureza os xerifes metidos em grossas patifarias. Nesse campo, o Rio não está só.

Vale também ressalvar que as revelações resultam de investigações conduzidas pela própria polícia. Não são poucos os policiais honestos. Apesar dos salários aviltados, não se limitam a combater o crime nas ruas. Travam batalhas tremendas contra o anacronismo do sistema de inteligência, a velhice do armamento, a escassez de instrumentos científicos modernos, a inexistência de políticas claras. Agora, enfrentam a pesada reação dos corporativistas.

Participantes da chacina da Baixada Fluminense já haviam despejado ameaças (e pelo menos uma cabeça decepada) sobre pátios de quartéis comandados por oficiais austeros. Há dias, voltaram aos locais da Baixada traumatizados pela noite dos exterminadores para reiterar o aviso: não haverá salvação para quem ousar denunciá-los.

Nenhum dos assassinos já identificados pode continuar em liberdade nem por um minuto. Só esbanjam atrevimento por confiarem no passado de impunidades. A maioria dos envolvidos nos massacres da Candelária e de Vigário Geral circula pelas ruas, livres e prontos para outros banhos de sangue. Essa afronta será repetida se os brasileiros decentes não obrigarem os pais da pátria a aceitarem a evidência de que a questão da (in)segurança exige uma ação coletiva e harmoniosa, envolvendo todos os governos e todos os Poderes da República.

Cabe ao Ministério da Justiça traçar planos abrangentes e objetivos, além de garantir a unidade de tropas distintas numa guerra inevitavelmente longa. Não existem bandos invencíveis. No fim do século passado, a Itália conseguiu desmontar grupos terroristas, engaiolar bandos de políticos corruptos e amputar antigos braços da Cosa Nostra. No mesmo período, os EUA implodiram o que restava da Máfia. Hoje, o Brasil convive com selvagerias semelhantes. Nos Estados Unidos e na Itália, a civilização prevaleceu. Pode sair-se vitoriosa também nestes tristes trópicos.