O Globo, n. 31539, 13/12/2019. País, p. 10

Socorro federal

Luiz Ernesto Magalhães
Paulo Cappelli


Enquanto a prefeitura ganhava tempo no Rio discutindo com o Judiciário o arresto de R$ 300 milhões para pagar os salários atrasados de funcionários terceirizados da Saúde, o prefeito Marcelo Crivella conseguiu fechar em Brasília um acordo que, segundo fontes, vai transferir cerca de R$ 150 milhões para o caixa do município. A negociação teve o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Os recursos são referentes a uma antiga dívida que a prefeitura cobra da União na Justiça relacionada a 23 unidades federais de saúde municipalizadas entre 1994 e 2000.

O acordo, que vai encerrar a ação judicial, vai ser formalizado hoje, no Rio, por Crivella e o ministro da Saúde em exercício, João Gabbardo. A prefeitura alega que, em 14 anos, os repasses para manter as unidades municipalizadas — que incluem Postos de Assistência Médica (PAMs), o Instituto Philippe Pinel e os hospitais da Piedade e Rapahel de Paula e Souza, em Curicica — não foram corrigidos. Desde 2005, o município recebe cerca de R$ 100 milhões por ano.

A intervenção de Bolsonaro foi decisiva porque, até o início da tarde de ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) não estava convicta sobre o acordo, conforme admitiram assessores de Crivella. O Rio estava pedindo, no entanto, uma compensação de R$ 227 milhões. Procurada, a prefeitura não quis comentar o acordo. O dinheiro federal virá em duas parcelas, em dezembro e janeiro.

Ontem, enquanto o arresto era discutido no Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RJ), a prefeitura decidiu pagar a primeira parcela do 13º de todo o funcionalismo público. A previsão era fazer o pagamento integral apenas no dia 17. Antecipando-se ao bloqueio dos recursos, o município depositou o dinheiro nas contas dos servidores ao longo do dia de ontem. À tarde, quando o desembargador Carlos Marques de Carvalho determinou o arresto das contas, boa parte dos servidores municipais já tinha recebido os salários. Tudo foi tão rápido que não deu tempo nem de imprimir os contracheques.

Segundo fontes que trabalham na prefeitura, os pagamentos de metade do 13º devem ter consumido cerca de R$ 400 milhões que estavam no caixa, deixando-o praticamente zerado. Procurada, a prefeitura não informou quanto ainda havia em suas contas para cumprir a ordem de bloqueio do TRT.

Bancos serão notificados

O subsecretário Jorge Farah entregou ao desembargador Carlos Marques de Carvalho dados de 39 contas para que ele decidisse quais delas seriam alvo do arresto. O bloqueio recaiu sobre os saldos das chamadas fonte 100 (R$ 411 milhões, valores de quarta-feira), que recebe impostos e taxas, e fonte 109 (R$ 26,8 milhões), que concentra multas de trânsito. Em sua decisão, o desembargador reiterou que o dinheiro só pode ser usado para quitar os salários de outubro, novembro e o 13º das equipes de saúde prefeitura. Os bancos só deverão ser notificados hoje sobre a medida.

O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), da Comissão de Saúde, observou que só os recursos arrestados do Tesouro Municipal não são suficientes para pagar as dívidas. Ele disse também que a prefeitura adotou uma estratégia, para evitar o bloqueio das contas.

— Em uma audiência na Câmara, o secretário de Fazenda, Cesar Barbiero, me disse que precisava de R$ 860 milhões para quitar todo o 13º salário. Se metade foi paga, o caixa perdeu mais de R$ 400 milhões — disse Pinheiro.

Apesar da decisão, as diversas categorias profissionais decidiram ontem manter a greve enquanto os pagamentos não forem normalizados. No fim da tarde de ontem, o ministro Alexandre de Souza Agra Negromonte, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), suspendeu a liminar obtida pela AGU que proibia arrestos em contas vinculadas nas quais há ver bada União.A ordem também favorece Crivella, que precisa desses valores para colocar as contas em dia. Ainda cabe recurso.