O Globo, n. 31476, 11/10/2019. Sociedade, p. 24

Origem Venezuelana

Ana Lucia Azevedo
Bruno Rosa
Rafael Garcia


A investigação sobre o derramamento de petróleo que atingiu até agora 63 municípios de todos os nove estados do Nordeste teve ontem a confirmação de que ao menos parte do material encontrado em 139 localidades foi produzido na Venezuela.

O ministro de Minas e Energia( M ME ), Bento Albuquerque, disseque a principal linha de investigação do governo é que o óleo veio de algum navio que transportava petróleo com características iguais ao produzido no país vizinho. Afirmou, no entanto, que isso não significa que o vazamento tenha acontecido lá ou que tenha sido de responsabilidade da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA).

— O que foi dito é que, nas análises realizadas, esse petróleo tem características similares ao que é extraído em determinados poços da Venezuela. É isso que está sendo investigado—disse Albuquerque.

O Lepetro (Laboratório de Estudos do Petróleo), da Universidade Federal da Bahia, conduziu uma análise independente de amostras do óleo derramado na costa da Bahia e chegou a uma conclusão similar à do MME.

— O óleo é de uma bacia petrolífera específica do território venezuelano, mas isso não quer dizer que a Venezuela é responsável pelo derrame — afirma Sarah Rocha, química que participou dos trabalhos de análise.

Segundo a pesquisadora, as análises não permitem inferir características do navio que o armazenava, nema data de extração do óleo. Tampouco se pode afirmar com certeza que ele estava sendo transportado na forma de petróleo cru.

Em comunicado divulgado ontem, a estatal venezuelana PDVSA negou ter relação com o incidente que atingiu quase metade das cidades do litoral nordestino, afirmando que “não há qualquer evidência de derramamento de petróleo cru nos campos petrolíferos da Venezuela que pudessem ter gerado dados ao ecossistema do país vizinho”. A PDVSA disse ainda que não recebeu nenhuma informação de clientes ou filiais sobre uma possível avaria ou derrame próximo à costa brasileira.

Outro produto

A Marinha informou ontem que analisou o óleo contido em dois tambores encontrados no litoral de Sergipe e concluiu que o produto difere do encontrado nas demais praias do litoral nordestino. “Os dados disponíveis, até o momento, não permitem concluir se tratam-se ou não de eventos distintos”, afirmou a Marinha.

O órgão disse ainda que fez uma triagem em quase 1.100 navios-tanque que circularam entre 1º de agosto e 1º de setembro numa área de 800 km de distância da costa brasileira, entre Sergipe e Rio Grande do Norte. Após essa triagem, notificará 30 navios-tanque de dez diferentes países aprestarem esclarecimentos.

Questionado sobre a demora do governo federal em reagir ao incidente, o ministro Bento Albuquerque rebateu as críticas e afirmou que a investigação foi iniciada em 2 de setembro. Disse ainda que foram mobilizados, ao longo do tempo, “todos os recursos para alim pezadas áreas” e para mitigara propagação desse vazamento para outras regiões.

—Foram encontradas manchas de óleo do norte do Maranhão até Sergipe, e isso é atípico porque, entre as correntes marítimas, uma vai para a região noroeste e outra para o sul. Por isso, é difícil ter o entendimento de como essas manchas se propagaram pelo litoral. Daí, a complexidade da investigação — disse Albuquerque.

Efeito das correntes

Simulações computacionais preliminares realizadas por cientistas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) sugerem que o óleo que atingiu os nove estados do Nordeste pode ter sido lançado ao mar em águas internacionais, a até mil quilômetros do litoral brasileiro.

Ele teria, então, viajado inicialmente pela Corrente Sul Equatorial, uma colossal corrente oceânica, que o espalhou por uma vasta área. De lá, teria sido trazido até as praias nordestinas pela Subcorrente Corrente Norte do Brasil (SNB).

Correntes marinhas são como rios de volume muitas vezes superior ao do Amazonas, que fluem pelos oceanos. A SNB foi descoberta pelo professor de oceanografia da USP Ilson da Silveira, que, com os alunos de doutorado Dante Napolitano e Iury Simões, realizou a simulação do espalhamento do óleo.

— Pelo tamanho do espalhamento, fica claro que o óleo foi levado pela Corrente Sul Equatorial, em águas internacionais, a centenas de quilômetros de costa —diz Silveira.

Ele diz que uma possibilidade é que o vazamento tenha ocorrido na latitude de Recife, mas já fora das águas brasileiras, entre 800 e 1.000 quilômetros da costa.

— Se fosse mais próximo, muito provavelmente não teríamos o espalhamento para o norte e para o sul, que temos visto ocorrer —observa ele.