O Globo, n. 31477, 12/10/2019. País, p. 8

Devassa nas contas do PSL

Naira Trindade
Bruno góes


O presidente Jair Bolsonaro e um grupo de parlamentares do PSL assinaram petição para que Luciano Bivar, presidente da legenda, abra todas as contas partidárias dos últimos cinco anos. A acusação de falta de transparência pode embasar desfiliação sem prejuízos para os dissidentes.

Asemana marcada pela crise entre o presidente Jair Bolsonaro e seu partido, o PSL, terminou com um último movimento do grupo aliado ao Planalto: sob orientação de advogados do presidente, o próprio Bolsonaro, seu filho Flávio, que é senador, e mais 20 deputados assinaram um documento pedindo ao presidente da sigla, deputado Luciano Bivar, que abra todas as contas partidárias dos últimos cinco anos. O movimento atende a interesses do presidente e de seus aliados dispostos a deixar o PSL: acusar o partido de não ter transparência serve como um discurso público para tentar se afastar de escândalos como o das candi daturas-laranja, mas também deve embasara argumentação jurídica que permita uma desfiliação sem prejuízos. O grupo do presidente tem duasperda de mandato seque o PS L fique com todo o dinheiro dos fundos partidário e eleitoral.

De olho na crise, outros partidos e líderes políticos já se articulam para recrutar parlamentares do PS L. O Podemos negocia afiliação de cinco deputados federais. Os governadores do Rio, Wilson Witzel (PSC), e de São Paulo, João Doria (PSDB), são outros polos de atração para quem debandar da sigla do presidente da República. Por coincidência, os dois estiveram pessoalmente ontem com Bolsonaro. No documento dirigido ontem a Bivar, os advogados Karina Kufa e Marcello Dias de Paula, que assinam o texto, afirmam que submeterão as contas do PSL a uma auditoria “externa” e “independente”. O texto chama de “precárias” os dados do caixa do partido e diz que “a contumaz conduta pode ser interpretada como expediente para dificultar a análise e camuflar irregularidades”. Se Bivar não responder a notificação extrajudicial, os advogados pretendem ajuizar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido de acesso às contas do PSL. O ex-ministro do TSE Admar Gonzaga está auxiliando o presidente no caso. Os deputados que pretendem seguir Bolsonaro numa eventual saída do PSL buscam uma garantia jurídica para não perder o mandato. Pela legislação, o mandato é do partido e, se o parlamentar deixar a sigla fora da janela partidária, o suplente pode ser convocado. Duas opções são migrar para uma legenda em criação, como a UDN, ou aproveitar a fusão de duas siglas menores. Para as duas hipóteses, os advogados de Bolsonaro pretendem pedir o acesso a parte dos recursos do partido. A tese é que foi graças à onda de popularidade de Bolsonaro que o PSL engordou seu cofre. Enquanto isso, outros partidos atuam para levar deputados do PSL, sejam eles do grupo mais ligado a Bolsonaro

ou não. O Podemos negocia a filiação de cinco deputados federais à sigla. A deputada Alê Silva (PSLMG) confirmou que fará a mudança e alegará, como justificativa, as ameaças de morte que teria sofrido após revelar detalhes do suposto esquema de candidaturas laranjas em Minas Gerais. — Estamos negociando com cinco deputados do PSL. O PSL está dividido — disse o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO).

Doria e Witzel

Em São Paulo, o PSDB, que já levou o deputado Alexandre Fota, pode repetir o movimento coma deputada Joice Hasselmann, que pretende deixar o PSL se não tiver legenda para ser candidata a prefeita. O governador João Doria vem trocando farpas com Bolsonaro nos últimos meses. Ontem, os dois estiveram juntos num evento de formação de sargentos da PM de São Paulo. Doria foi vaiado por apoiadores do presidente ao ter seu nome anunciado. No mesmo evento, o senador Major Olímpio (PSLSP) acusou o grupo mais ligado a Bolsonaro de conspirar contra o PSL.

— Ficou mais que notório que quem estava por trás era um ex-ministro do TSE (Admar Gonzaga) e uma advogada espertalhona, Karina Kufa. Trabalhando nos bastidores. Infelizmente com o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, que promoveu tudo —apontou, dizendo que gostaria de ver o senador Flávio Bolsonaro fora do partido. Eduardo Bolsonaro rebateu o senador, dizendo que “roupa suja se lava em casa” eque o PS L deveria discutir os assuntos internamente. À tarde, Bolsonaro veio ao Rio e esteve com Witzel, com quem mantém relação conturbada. Os dois se evitaram num evento em Itaguaí. Witzel está disposto a abrir as portas do PSC para insatisfeitos no PSL. Os deputados estaduais Rodrigo Amorim e Gil Viana são os mais próximos ao governador no PSL. Há um mês, quando a maioria da bancada do PSL na Alerj se recusou a cumprira ordem de Flávio Bolsonaro de deixar o governo Witzel, o governador falou sobre o interesse de receber no PSC eventuais dissidentes do bolsonarismo. — Não posso impedir ninguém de se desfiliar (do PSL) nem de se filiar ao PSC. São deputados comprometidos com apauta que eu defendo— disse, à época. (Colaboraram Bruno Rosa e Camila Zarur).