O Estado de S. Paulo, n. 46885, 28/02/2022. Internacional, p. A10

Rússia e Ucrânia aceitam negociação em meio a pressão militar e financeira



O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, aceitou ontem negociar com a Rússia um fim para o conflito, sem precondições. A tentativa de acordo foi combinada em meio a ameaças do presidente russo, Vladimir Putin, de mobilizar seu arsenal nuclear e de indícios de que os russos concentram mais tropas no entorno da capital, Kiev, que há três dias resiste ao ataque de tropas do Kremlin.

A pressão econômica e militar sobre a Rússia aumentou no fim de semana. Depois de EUA e União Europeia excluírem bancos russos do sistema de pagamentos europeus, os 27 países do bloco decidiram unificar o envio de ajuda militar a Kiev e vetar o acesso de aeronaves russas ao espaço aéreo do bloco. Meios de comunicação ligados ao Kremlin, como o Russia Today (RT) e o Sputnik, também terão suas licenças cassadas na Europa .

Ceticismo. A reunião está marcada hoje para ocorrer na fronteira com Belarus, próximo ao Rio Pripyat. Segundo os ucranianos, o líder belarusso, Alexander Lukashenko, concordou em garantir a segurança dos presentes e o arsenal aéreo e antiaéreo russo presente no país não será usado.

Zelenski, no entanto, mostrou-se cético quanto à eficácia da reunião. “Vamos conversar para que nenhum cidadão ucraniano ache que não agi para parar essa guerra quando tive uma chance, por menor que essa chance seja”, declarou.

O chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, declarou que a cúpula é um indício de que a Rússia tem tido mais dificuldade militar do que esperava na invasão da Ucrânia. “A Rússia não estava querendo nenhuma conversa. Depois que sofreram dificuldades, agora falam em negociações”, disse. “O fato de a Rússia estar disposta a conversar já é uma vitória para a Ucrânia.”

Ainda de acordo com o governo ucraniano, o número de mortes na invasão russa chegou ontem a 352. No fim da noite de ontem, o governo americano acusou o governo de Belarus de permitir a entrada de tropas terrestres em território ucraniano por meio da cidade de Gomel. A localidade é a mesma onde, segundo o Kremlin, uma comitiva de autoridades russas desembarcou durante a manhã para iniciar negociações com autoridades ucranianas.

“Uma delegação de representantes dos ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e de outras pastas, incluindo a administração presidencial, chegou a Belarus para negociações com os ucranianos”, disse o porta-voz da presidência russa, Dmitri Peskov.

“A delegação russa está pronta para as negociações e agora estamos esperando os ucranianos”, acrescentou.

Ao longo do domingo, tropas russas continuaram a atacar posições ucranianas nas cidades de Kharkiv, Kiev e Chernihiv. No começo da madrugada, essas cidades foram alvos de novos bombardeios.

Ameaça Nuclear. Em meio às ofertas de negociação, Putin ontem convocou as forças nucleares russas a estar de prontidão, em resposta às sanções econômicas que considerou ilegítimas impostas contra a Rússia nos últimos dias. No sábado, UE e EUA decidiram tirar bancos russos sob sanções econômicas do sistema de pagamentos global Swift.

“Os países ocidentais não estão apenas tomando ações hostis contra nosso país na esfera econômica, mas altos funcionários dos principais membros da Otan fizeram declarações agressivas sobre nosso país”, disse Putin.

Putin havia prometido, nesta semana, retaliação contra qualquer nação que interviesse diretamente no conflito na Ucrânia, citando o status de seu país como uma potência nuclear. Na prática, a medida coloca as armas nucleares da Rússia em prontidão de lançamento. Até o momento, no entanto, não há indicativos de que Putin tenha planos concretos de utilizá-las.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e o governo americano chamaram a decisão de Putin de irresponsável. “É uma retórica perigosa que, combinada com o que ele está fazendo na Ucrânia, amplia a gravidade da situação”, disse secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em entrevista à TV americana CNN.

A embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-greenfield, considerou a escalada “inaceitável”./ NYT e  Washington Post