O Globo, n. 31509, 13/11/2019. Mundo, p. 26

Voo para exílio envolveu negociações complexas


A viagem da aeronave da Força Aérea Mexicana que carregou o ex-presidente Evo Morales do interior da Bolívia, onde estava refugiado, para a Cidade do México envolveu uma complexa negociação diplomática com diversos países. O ex-presidente e seu vice, Álvaro García Linera, receberam asilo do governo de Andrés Manuel López Obrador após renunciarem no domingo, em meio a pressões da oposição radical e de militares.

Morales foi recebido no Aeroporto Internacional da Cidade do México pelo chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, e voltou a afirmar que foi vítima de um golpe de Estado “cívico, político e policial”. Ele vestia as mesmas camisa azule calça comprida preta com as quais havia sido visto no último domingo, quando renunciou.

— Enquanto eu tiver vida, continuarei na política. Enquanto eu tiver vida, continuarei lutando. Estamos seguros que todos os povos do mundo têm o direito de se libertar — disse Morales, acompanhado de seu vice e da ex-ministra da Saúde Gabriela Montaño. — O mais importante é estar com vida, isso nos permite lutar ao lado do povo boliviano.

Ao desembarcar, ele disse ainda que, se é culpado de algum crime,é o de ser indígena e anti-imperialista e que está “muito agradecido” porque o governo mexicano “salvou sua vida”. Segundo o ex-presidente, no sábado, um dia antes de sua renúncia, um integrante de sua equipe de segurança o informou sobre mensagens e ligações para que o entregassem em troca de US$ 50 mil.

O avião que levou Evo para o México — um Gulfstream 550 da Força Aérea Mexicana —pousou na capital por volta das14h(hora de Brasília ), cerca de nove hora semeia após decolar de Assunção, no Paraguai, onde fez escala. A aeronave havia partido da Bolívia às 23h de segunda-feira, pousando na capital paraguaia por volta de 1h35m de ontem.

De um lado para outro

Em entrevista coletiva ontem, o chanceler mexicano relatou a complexa negociação diplomática necessária para que Morales conseguisse chegar ao México — algo classificado por ele como um “périplo por diferentes espaços aéreos e decisões políticas” da América Latina.

O Gulfstream chegou na segunda-feira a Lima, onde precisou esperar autorização da Força Aérea da Bolívia para ingressar em seu território e buscar Morales na cidade de Chimoré. Com o aval concedido, o avião decolou do aeroporto peruano, mas teve sua entrada no espaço aéreo boliviano negada. Ele precisou retornar ao Peru até que os diplomatas mexicanos negociassem uma nova autorização, concedida horas depois.

Sem autorização do Peru para pousar no país na volta — por “razões políticas”, segundo informou o chanceler mexicano — o avião com Morales ficou na pista do aeroporto de Chimoré à espera de uma solução. Segundo Ebrard, isto gerou uma enorme tensão porque manifestantes pró-Morales ocupavam os arredores do aeroporto, enquanto integrantes das Forças Armadas estavam em seu interior.

Após um apelo do governo mexicano que teve também participação do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández — que telefonou ao colega paraguaio, Mario Abdo Benítez— o Paraguai permitiu uma escala da aeronave em Assunção. Segundo Ebrard, o governo paraguaio entendeu que a situação poderia “se converter em uma trágedia”.

Duas novas proibições

Para decolar de Assunção, outro problema: Peru e Equador liberaram o sobrevoo de seus territórios, mas a Bolívia proibiu. Buscando outra solução, o embaixador brasileiro em La Paz e o embaixador mexicano em Brasília entraram em contato com o Itamaraty, que permitiu à aeronave atravessar o território brasileiro. Ao GLOBO, o Ministério de Relações Exteriores disse que a autorização foi concedida imediatamente. Ebrard agradeceu ao governo brasileiro.

Mas não pararam aí os problemas. Com a aeronave já no ar, o Equador revogou a autorização de sobrevoo, obrigando que o país fosse contornado e atrasando ainda mais seu pouso na Cidade do México.