O Globo, n. 31538, 12/12/2019. Economia, p. 19
Recomendação de cautela à vista: juros a 4,5%
Manoel Ventura
João Sorima Neto
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu os juros pela quarta vez este ano. A Taxa Selic passou de 5% para 4,5% ao ano, o menor patamar da história,considerando dados desde 1999, quando começou o regime de metas para a inflação. Em comunicado, a instituição recomenda cautela e não se compromete com nova redução, em um sinal de que o ciclo de corte de juros pode ter chegado ao fim.
“O Copom entende que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela na condução da política monetária”, diz o comunicado. “O Comitê enfatiza que seus próximos passos continuarão dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação”.
Mesmo assim, com a redução da taxa para 4,5%, o Brasil terá posição inédita no ranking de juros reais (descontada a inflação) entre 40 nações analisadas. O país, que sempre ocupou o primeiro ou o segundo lugar na lista, está agora na 11ª posição, com juro real de 0,64%. No primeiro lugar está o México, com juro real de 3,23%.
— Estamos num aposição de juros reais que são estimulantes à atividade econômica — diz Jason Vieira, economista da Infinity Asset Management, responsável pela lista.
Recuperação da economia
Na avaliação do Copom, dados da atividade econômica a partir do segundo trimestre indicam que o processo de recuperação da economia ganhou tração e seguirá em ritmo gradual. “O comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e balanço de riscos para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante para a condução da política monetária, que inclui o ano-calendário de 2020 e, em grau menor, o de 2021”.
A Selic funciona como um balizador para definir quanto bancos, cartões e financeiras cobram de seus clientes e é o principal instrumento do BC para conter a inflação. Para parte dos economistas, diante dos sinais de aquecimento da atividade, não seria mais necessário reduzir a taxa para estimular a economia.
Para Tony Volpon, economista-chefe do banco suíco UBS no Brasil e ex-diretor do BC, há sinais concretos de que a economia está mudando de patamar de crescimento, para algo em torno de 2,5% em 2020.
— Se a economia se comportar como o mercado espera, o BC não deve mais cortar juros — afirma, acrescentando que a taxa pode voltar a subir no fim do próximo ano.
Na avaliação de Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, o BC tem sido prudente no corte, o que permitiu testar níveis historicamente baixos de juros:
— Mas há vários argumentos para cautela daqui para a frente. A gente está dirigindo uma estrada que numa dirigiu. Talvez a necessidade de oferecer mais juros baixos não seja tão grande. Estamos muito perto do fim do ciclo de cortes, com margem para cortar apenas 0,25 ponto, no máximo.
Relatório do Itaú afirma que ainda há margem para cortes na taxa. “Ainda esperamos que a taxa básica encerre o ciclo em 4% ao ano no início de 2020”, diz o texto, que afirma que só será possível saber mais sobre o racional da decisão quando a ata da reunião do Copom for divulgada, na próxima semana.
Para o economista Carlos Thadeu Filho, da Ativa Investimentos, o comunicado demonstrou que o BC abre a possibilidade de mais cortes.
— O comunicado traz uma dualidade. Ao mesmo tempo que diz que pode cortar mais, por conta da inflação, coloca risco em outros fatores — afirmou.
Segundo Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências, há sinais claros de melhora na economia, embora existam pressões inflacionárias pontuais, como a alta do dólar e o aumento do preço da carne, o que afetou a visão da inflação. A Tendências elevou sua projeção para a inflação deste ano de 3,3% para 3,9%, abaixo da meta fixada em 4,25%. Para 2020, a previsão está mantida em 3,6%.
— O fator câmbio não passa despercebido pelo BC, que deve ser mais cauteloso após esse corte — diz Campos Neto.
S&P eleva perspectiva
O estrategista do banco Mizuho, Luciano Rostagno, lembra que as reduções de juros demoram deseis anove meses para surtir efeito na economia eque, portanto, ainda há bastante estímulo para a atividade com base nos últimos cortes promovidos pelo BC:
— Temos um patamar de juro claramente expansionista, com juro real abaixo de 1%. E já tivemos uma surpresa positiva como PIB do terceiro trimestre, que cresceu 0,6%, acimadas expectativas. Apesar da aceleração da inflação, coma alta do dólar e o aumento do preço da carne, as expectativas futuras ainda estão ancoradas e abaixo da meta. O BC deve ser mais cauteloso e encerrar esse ciclo de baixa dos juros.
Na esteira da melhora da economia, a agência de classificação de risco Standard&Poor’s (S&P) elevou a perspectiva para o rating do Brasil de estável para positiva. O país segue com nota de crédito em BB-, de grau especulativo. A agência foi a primeira a retirar do Brasil o grau de investimento, considerado um selo de qualidade pelos investidores, em 2015. Em comunicado, a S&P cita a perspectiva de melhora da situação fiscal após a aprovação da reforma da Previdência e a perspectiva de continuidade da agenda de reformas em 2020.
Para a S&P, o Brasil continua implementando medidas de consolidação fiscal destinadas a reduzir o déficit fiscal “ainda grande”. A agência cita que isso, combinado às taxas de juros mais baixas e implementação gradual da agenda de reformas, deve contribuir para perspectivas de crescimento e de investimentos mais fortes nos próximos três anos e para melhora gradual nos indicadores fiscais.
Após nova redução, fuga da renda fixa deve aumentar
Com mais um corte da Selic, a migração de recursos dos fundos de renda fixa para fundos de ações ou multimercados vai se acentuar. Com juros reais de 0,64% ao ano, a rentabilidade desses fundos, especialmente aqueles que cobram taxas de administração acima de 1%, perde até para a caderneta de poupança.
Levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostra que taxas de administração menores que 1% são oferecidas apenas para investidores que aplicam de R$ 25 mil a R$ 100 mil. Para quem aplica menos de R$ 25 mil, as taxas variam de 1,11% a 1,93%, o que torna esses produtos menos rentáveis para os pequenos aplicadores.
— O investidor vai ter que diversificar a carteira de investimento e tomar mais risco para obter melhor retorno — diz Marcelo Cidade, economista da Anbima.
Especialistas dizem que, neste cenário, o caminho para o investidor é buscar alternativas em aplicações como fundos de ações e fundos multimercados (que podem aplicar recursos em juros, moedas e ações).
Segundo regra definida em 2012, quando a Selic está em 8,5% ou menos, a poupança rende o equivalente a 70% dos juros básicos mais a Taxa Referencial. Assim, um novo corte de juros reduz sua rentabilidade. Mas ela ganha competitividade em relação a fundos de renda fixa que acompanham de perto a Selic, que, além de perderem com o corte dos juros, cobram taxas de administração e imposto de renda.
Cálculo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças(Anefac)m os traque coma Selic em 4,5% ao ano, a poupança renderá 0,26% ao mês. Esse retorno é maior que o de fundos que cobram taxa de 2% ao ano ou mais em qualquer prazo de resgate.
— As aplicações lastreadas em juros, sejam fundos de renda fixa, CDBs, poupança e Tesouro Direto rendem menos com juros nesse patamar— diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor de pesquisas econômicas da Anefac, observando que em países onde o juro é baixo a maior parte do investimento está em renda variável.
A Anbima já detectou o movimento de troca de renda fixa por renda variável desde 2018. Este ano, até novembro, os fundos de renda fixa perderam R$ 3,9 bilhões, enquanto os de ações receberam aportes de R $67,5 milhões, o maior entre todas as categorias.