O Estado de S. Paulo, n. 46924, 08/04/2022. Política, p. A10

Facebook diz que militares montaram rede de desinformação sobre Amazônia

Bruno Romani 


O Facebook anunciou ontem que derrubou uma rede de contas e perfis falsos que tentavam distorcer o debate público relacionado a questões ambientais, como o desmatamento da Amazônia. Segundo a Meta (holding do Facebook), oficiais do Exército Brasileiro eram responsáveis pela operação de desinformação, mas as suas identidades não foram reveladas pela rede social.

As informações constam no relatório trimestral que a empresa produz sobre ameaças na plataforma. Na atual edição do relatório, foram listados casos no Azerbaijão, na Rússia, na Ucrânia, no Irã, na Costa Rica e nas Filipinas. A rede brasileira aparece como um exemplo de "comportamento inautêntico coordenado", termo da empresa que se refere a redes de perfis e páginas falsas usadas em esforço para manipular o debate público.

No total, foram derrubados 14 perfis falsos e nove páginas no Facebook, além de 39 contas no Instagram – parte deles estavam conectados a páginas no Twitter. Nos serviços do Facebook, a rede somava 25 mil seguidores. "Não podemos compartilhar muitos detalhes de como nossa investigação chegou aos militares. Quanto mais compartilhamos, mais essas redes conseguem se esconder. Usamos sinais técnicos e comportamentais", disse ao Estadão o chefe de política de segurança global do Facebook, Nathaniel Gleicher.

Antes de derrubar a rede, porém, o Facebook compartilhou suas informações com a Graphika, empresa de monitoramento de redes sociais – a ideia era ter um olhar além da pesquisa realizada pela companhia de Mark Zuckerberg. A Graphika publicou um relatório independente, no qual deu mais detalhes sobre como conseguiu mapear os militares. Novamente, as identidades não foram reveladas.

Segundo o documento, dois oficiais do Exército estão por trás da rede – a empresa confirmou pelo Portal da Transparência do governo federal, que, até dezembro de 2021, quando fez a checagem, ambos estavam na ativa. Quatro perfis pessoais dos oficiais foram identificados, o que permitiu determinar a ligação deles com o Exército.

Evidências. Entre as evidências estão posts nos quais aparecem fardados e congratulações de parentes por conquistas em treinamentos e cursos militares, além de fotos de arquivo pessoal que abrangem um período de 10 anos. "Os nomes deles apareciam em registros governamentais e documentos públicos militares, incluindo os resultados de exames de admissão no Exército e uma tese de graduação da Academia Militar, o que nos permitiu determinar que suas carreiras começaram em 2012 e 2014."

A Graphika não conseguiu determinar as funções específicas dos oficiais no Exército, mas acredita que ambos têm funções ligadas à cavalaria. Nem o Facebook nem a Graphika fazem conexões dos oficiais ao comando do Exército.

A rede desmontada começou a atuar em 2020. Na fase anterior, entre abril e junho daquele ano, as manifestações eram politicamente opostas às de 2021, quando o foco foi a Amazônia. Os perfis e páginas eram usados então para criticar o presidente Jair Bolsonaro e promover questões sociais. Tinham os nomes de Orgulho Sem Terra e Resistência Jovem.

A razão das fases antagônicas em conteúdo não é explicada pelo Facebook ou pela Graphika. As empresas dizem focar apenas nas operações que resultam em comportamento coordenado inautêntico. Segundo o relatório, na segunda fase, os perfis e páginas tentavam se passar por organizações da sociedade civil e ativistas interessados na preservação da Amazônia – foi a primeira vez que o Facebook identificou uma rede do tipo atuando em questões ambientais. O documento aponta que posts diziam que "nem todo o desmatamento da floresta é prejudicial".

Desmatamento. No relatório da Graphika, é citada a página NaturAmazon – organização ambiental inexistente – que tinha 6.650 seguidores no Instagram e que operou entre maio e setembro de 2021. A página costumava elogiar o governo no combate ao desmatamento e afirmava que o Brasil é líder na proteção ao meio ambiente. "A NaturAmazon postava apenas notícias e estatísticas que apresentavam o governo e os militares de maneira positiva.".

Outra página citada é a O Fiscal das ONGs, que tinha 7 mil seguidores no Instagram e parou de postar em setembro de 2021. O objetivo do perfil, segundo a Graphika, era abalar a credibilidade de ONGs ambientais. Entre os alvos estavam o Imazon, o Instituto Socioambiental (ISA), o Greenpeace e o WWF. O Fiscal das ONGs costumava postar trechos de um filme produzido pelo site bolsonarista Brasil Paralelo. Havia também posts com falas do senador Plínio Valério (PSDB-AM) sobre supostamente ter evidências de que ONGs querem comprar terras na Amazônia para atender a interesses estrangeiros. •

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Ligação dos autores com o Exército foi confirmada em mensagens publicadas por eles na própria rede social