O Estado de S. Paulo, n. 46924, 08/04/2022. Política, p. A11

Estadão Analisa: Com PSDB cada vez mais dividido, Doria passa a ser 'João' e ignora Leite

Rosa, Vera


João Doria agora é só João. É assim que a campanha do ex-governador de São Paulo vai apresentá-lo aos eleitores, na tentativa de popularizar sua imagem como o verdadeiro précandidato do PSDB à Presidência. Diante de um PSDB cada vez mais dividido e com o ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite se movimentando para ocupar espaço na disputa, a equipe de Doria vai mirar em João, um homem desconhecido até agora.

A propaganda do PSDB que irá ao ar na TV a partir do próximo dia 26 mostrará o ex-governador paulista no figurino "gente como a gente". A ideia da equipe de Doria é contar um pouco de sua vida pessoal, destacando que ele não nasceu em berço de ouro e teve o pai cassado pela ditadura. Volta à cena, nessa temporada, o "João trabalhador" da campanha de 2018 ao Palácio dos Bandeirantes. Agora, porém, embalado pelo slogan de "pai da vacina" contra o coronavírus.

O problema é que, embora tenha vencido as prévias do PSDB para escolha do candidato ao Palácio do Planalto, em novembro, Doria enfrenta resistências no próprio partido. Mesmo assim, minimiza o apoio a Leite. Seus aliados chamam o deputado Aécio Neves (MG), ironicamente, de "guru do guri", numa referência ao gaúcho. Desafeto do ex-governador de São Paulo, Aécio defende a candidatura de Leite.

Um dia depois da reunião do MDB, PSDB, União Brasil e Cidadania que decidiu lançar uma chapa única à Presidência, Doria continuou agindo como se não houvesse crise nas fileiras tucanas e Leite não representasse uma pedra em seu caminho. Não acusou o golpe nem mesmo após o encontro entre o gaúcho e a senadora Simone Tebet (MDB-MS), na quarta-feira, em Brasília.

Os dois posaram para fotos e passaram a impressão de que estava formada ali a dobradinha da terceira via. Naquele mesmo dia, o ex-governador de São Paulo apareceu sorridente, abraçado à senadora Eliziane Gama (Cidadania), que tem base eleitoral no Maranhão. Na mensagem subliminar, a defesa de uma mulher para vice na chapa. Todos agora estão de olho no eleitorado feminino. Se for do Nordeste, melhor ainda.

Em conversas com correligionários, Doria aprovou a decisão dos quatro partidos de antecipar o anúncio do candidato único da terceira via para 18 de maio. A convenção do PSDB será em julho e o ex-governador afirma não haver chance de revogar as prévias, que custaram R$ 11 milhões. Mas, na avaliação de Aécio Neves, esse debate está superado porque haverá um só concorrente do "centro democrático", como o grupo ficou conhecido, e não mais um nome do PSDB.

 

TEBET. O MDB também enfrenta racha interno e Tebet não tem unanimidade. Tanto é assim que líderes de 13 diretórios, principalmente no Nordeste, querem apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda no primeiro turno.

Na prática, a terceira via que se apresenta como alternativa à polarização entre Lula e o presidente Jair Bolsonaro mais parece uma "via crucis". O deputado Luciano Bivar, que comanda o União Brasil, deve agora submeter seu próprio nome ao crivo do grupo. O ex-juiz Sérgio Moro também se filiou ao União, mas está isolado no processo. Batizado por aliados como "campeão da segunda divisão", Ciro Gomes (PDT), por sua vez, critica "esse centro" e alega não ver ali uma discussão de projetos para o País.

É nesse caldeirão de vaidades que a campanha de Doria quer tirar proveito daquilo que é associado a ele como rejeição. O "calcinha apertada", como o definiu Bolsonaro, vai se transformar no político simples, que põe "a mão na massa" e apresenta soluções. A nova estratégia aparecerá neste fim de semana, quando Doria visitará Salvador e Rio de Contas (BA), cidade de seu pai. Celeiro de votos de Lula até hoje, o Nordeste é a segunda maior região do País em número de eleitores, só perdendo para o Sudeste. É por isso que João encarnará ali o seu novo personagem.