Título: Liderança espiritual
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 09/04/2005, Internacional, p. A8

Santo Padre congrega o mundo em funeral interrompido 13 vezes por palmas e marcado por gestos como o aperto de mãos entre os presidentes israelense, sírio e iraniano

AFP Após a missa externa, cardeais encomendaram o corpo já na cripta, depositaram o saco com as moedas do papado antes de o caixão ser selado com solda

CIDADE DO VATICANO - ¿Santo subito¿ (Santo já), entoaram várias vezes os peregrinos ¿ cerca de 600 mil ¿, durante a missa fúnebre a céu aberto de 2h30, realizada antes do sepultamento do papa João Paulo II. Bandeiras e faixas, muitas da terra natal do pontífice, a Polônia, tremulavam entre a multidão na praça São Pedro. ¿ Podemos ter certeza de que nosso querido papa está hoje na janela da casa do Pai, que ele nos vê e nos abençoa ¿ disse à multidão o cardeal alemão Joseph Ratzinger, que presidiu a missa. Em seu sermão (em italiano e latim, com trechos em francês e inglês), interrompido 13 vezes por aplausos, o cardeal fez um resumo da vida do papa, desde os dias em que vivia na Polônia ocupada pelos nazistas até seu pontificado. O cardeal lembrou que o Pontífice falava muito aos jovens que tanto amava e via como o futuro da igreja.

Ao som de cânticos em Latim ¿ entoados pelo padre brasileiro Marcos Pavan ¿ e das badaladas de um enorme sino e de uma salva de palmas interminável, 12 homens carregaram o caixão de cipreste, com a letra ¿M¿ (o papa era devoto de Maria) dos degraus da Basílica de São Pedro, quando a missa terminou. Ao som de Magnificat, de Bach, foi virado uma última vez para a praça onde o papa rezou milhares de missas, para ser levado à cripta onde foi enterrado.

¿ Para mim, este é um tsunami de paz. Foi muito emocionante ver tantas pessoas, todas unidas com tranquilidade e simpatia. Este é um sinal de que era um santo ¿ comentou a brasileira Margarida Ignácio.

A última jornada do homem que viajou o equivalente a 30 vezes a circunferência da Terra durante seu papado foi a mais curta. Poucas centenas de metros da igreja à cripta. Quase sete horas depois que os elaborados rituais funerários tiveram início, João Paulo descansava sob a terra, debaixo de uma lápide de mármore branco, na cripta da Basílica de São Pedro. Vinte e seis medalhões comemorativos foram postos no caixão, representando cada ano de seu pontificado, além de um documento sobre sua vida.

Mais de 10 membros de famílias reais e cerca de 70 primeiros-ministros e presidentes assistiram ao funeral, na última homenagem ao papa que ajudou a derrubar a Cortina de Ferro, apelou à unidade entre as diferentes crenças e impôs uma ortodoxia severa a sua própria Igreja.

Entre os 2500 dignatários de todas as crenças e raças estavam o presidente dos EUA, George Bush ¿ que foi vaiado ao chegar à basílica ¿, o secretário-geral da Nações Unidas, Kofi Annan, o presidente Lula, o príncipe Charles, além de vários líderes do Oriente Médio, como o rei Abdullah, da Jordânia.

¿ O mundo inteiro será diferente agora. Não sei o que faremos sem ele para nos guiar ¿ disse Beata Bilyk, uma polonesa de 18 anos.

O funeral deu fim a um pesadelo em termos de segurança para a Itália, que teve de fechar o espaço aéreo na região central de Roma e solicitou força extra, mísseis antiaéreos e barcos-patrulha para proteger o, possivelmente, maior encontro de líderes do mundo já realizado. Um alarme falso fez com que dois caças F-16 interceptassem um avião, que foi obrigado a aterrissar em um aeroporto militar perto de Roma. Após as verificações necessárias, a aeronave pôde continuar com seu plano de vôo. As autoridades italianas pediram ao Vaticano que mantenha o túmulo fechado até terça-feira, temendo que a enorme multidão não deixasse a cidade. Segundo a polícia, não foram registrados casos de violência na capital.

Em meio ao culto ao pontífice, algumas vozes críticas se fizeram ouvir:

¿A fixação exagerada neste papa acabará sendo muito problemática¿, disse em nota o grupo católico reformista Nós Somos a Igreja, da Alemanha. ¿Agora é hora de rezar e esperar que o próximo tenha coragem para começar uma reforma gradual na Igreja que vá ao encontro das profundas mudanças do mundo moderno¿.

À tarde, pelas ruas de Roma, uma multidão de fiéis, com aspecto cansado e abatido, caminhava com bandeiras e mochilas nas costas enquanto esperavam por algum meio de transporte que os levasse de volta aos lugares de origem. Apesar de as autoridades italianas terem tomado todas as providências para que o fluxo de saída transcorresse tranqüilamente, um hospital de campanha instalado perto da praça permaneceria aberto.

A Santa Sé agradeceu ao governo italiano e à cidade de Roma ¿pelo esforço e eficácia no amparo de milhões de peregrinos que queriam se despedir de João Paulo II¿.

¿ Foi um acontecimento excepcional e muito bem organizado ¿ avaliou o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro Valls. ¿ Um aplauso particular é dedicado aos cidadãos romanos, pela colaboração e paciência para suportar os inevitáveis problemas destes dias.