Título: A violência como forma de expressão
Autor: Elizabeth Süssekind *
Fonte: Jornal do Brasil, 09/04/2005, Outras Opiniões, p. A11
Mais uma vez a sociedade brasileira recebe uma resposta em forma de atemorização, chantagem, desdém, abuso. Resposta sangrenta, que evidencia agentes com disposição para piorar o cenário: têm poder sobre a vida e a morte de dezenas de vítimas, capacidade de permanecerem impunes, invisíveis, protegidos. O assassinato de trinta pessoas foi sua forma de expressão.
Especialistas, vítimas, policiais, autoridades, políticos, religiosos, militantes, cidadãos vêm a público, revoltados, preocupados, instigados pelo debate reacendido pelos novos corpos. Poucas afirmações podem ser dadas como respostas. Não há mais tantas respostas disponíveis, muitas foram ultrapassadas no dia a dia. Quase sinto saudades de quando muitos tinham um punhado de certezas que ora apontavam para traços genéticos, personalidades mal formadas, injustiça social, desinteresse de autoridades, lares desfeitos, ora para a crueldade pessoal, a influência de drogas ou a infância em favelas.
Hoje o reconhecimento da complexidade se impõe. Não cabe tanto falar em causas, os fenômenos sociais têm causas múltiplas e adquirem as feições de momentos diferentes e da interpretação dada. Mas falar em responsabilidade é imprescindível. Se não cabe mais lidar com a totalidade, com a situação da segurança pública, com o estado de violência, ao menos devemos tentar enfrentar as ocorrências criminais, uma a uma. Esses trinta homicídios terão sido realmente cometidos por bandidos-policiais? Em que ponto da recente história brasileira o Estado perdeu a sua Polícia e passou a nutrir uma corporação altamente corrupta e comprometida com o crime que deveria combater? Como terão chegado tão longe esses bandidos, quais e quantos crimes terão cometido antes de adquirir a segurança para expor a toda sociedade decisão tão selvagem? Como terão sido tratados por seus chefes instrutores, pela lei, pela Justiça, antes desse passo tão ousado? Serão primários, merecedores de confiança, seus companheiros de nada desconfiavam?
A Polícia está à beira de um impasse, e nós também. Ou a incorporamos institucionalmente ao Estado de Direito ou ela - nunca totalmente, mas significativamente aliada e integrada a criminosos, vai liderar a instituição do caos absoluto.
Incorporação total significa ver, reconhecer, avaliar, atender, preparar, proteger, controlar, priorizar, punir, banir. Profissionalismo e responsabilidade e não tolerância com abusos, achaques, seqüestros, homicídios. Essa política de segurança pública que sobrevive há décadas por ser manipulável e prestar serviços a determinadas figuras; baratinha, embora esteja custando tanto à sociedade.
*Elizabeth Süssekind é defensora do Cliente da Ampla