Título: E agora José?
Autor: Wesley Borba Toledo
Fonte: Jornal do Brasil, 09/04/2005, Brasília / Opinião, p. D2

A mídia comprou o protesto. Todos os meios de comunicação abriram espaço à indignação da sociedade sobre a Medida Provisória 232. Televisão, rádio, revistas, jornais e Internet. Organizados ou não, os cidadãos repudiaram a decisão do Governo de penalizar, mais especificamente, o profissional liberal, pessoa jurídica, com a alteração do percentual de 32% para 40% do lucro presumido, que serve de base de calculo do imposto de renda para os prestadores de serviço, um aumento de 25 pontos percentuais, sem falar do recente aumento do Cofins em 4 pontos percentuais. Uma corrente eletrônica convida todos a não ficar calado. ''... já que o tema é a reforma tributária percebi que posso definitivamente contribuir mais'', explica o autor desconhecido que assina o e-mail como mero cidadão. No contexto ele propõe que o Governo inverta os percentuais, ao invés de levar 27.5% de imposto, pagos na fonte pelo contribuinte, como determinada a atual legislação, fique com 72,5% do salário e pague as contas da escola, convênio médico, remédios, material escolar, água, luz, telefone, supermercado, gasolina, vestuário, lazer, pedágios, CPMF, IPVA, IPTU, ISS, ICMS, PIS, COFINS, segurança, previdência e qualquer outra taxa extra que seja criada por quaisquer dos poderes. Tudo isso, com uma condição: que os 27,5% entrem limpos no bolso do trabalhar brasileiro. Parece justo!

O Governo Brasileiro vem tornando cada vez mais difícil a realização do sonho de ser profissional liberal. Algumas profissões como a de cirurgião-dentista, advogados, médicos e outras são caracterizadas, ao longo de sua existência, pela prática da atividade como profissional liberal. O desejo da prática da profissão como trabalhador autônomo fica cada vez mais longínquo. Na área de saúde a MP penalizaria fortemente consultórios e muitos laboratórios. O desrespeito torna-se ainda mais aviltante quando se constata a forma como foi realizado todo o processo, ou seja, sem consulta à sociedade, sem debate no Congresso Nacional e no mais absoluto silêncio, no apagar das luzes de 2004. Dessa maneira, justificou-se plenamente a criação da Frente Brasileira contra a Medida Provisória 232. Foi extremamente relevante que distintos setores de atividade mobilizaram-se, por meio de suas entidades de classe, e se uniram contra mais um aumento de impostos.

Em âmbito nacional, a medida provisória também atingiria parcela expressiva das pequenas e microempresas. É preciso enfatizar que essas organizações são responsáveis, segundo o Sebrae, por 41% dos 27 milhões de empregos formais do Brasil, e 20% do PIB nacional. Existem 5,5 milhões dessas empresas (99% do total do país), informa o IBGE. As estatísticas evidenciam uma importante transformação das relações trabalhistas no Brasil, em sintonia, aliás, com a realidade contemporânea do mundo e com a nova ordem econômica estabelecida no processo de globalização. Numerosos empregados de ontem são os prestadores de serviço de hoje. O processo de terceirização, que é legal, ético e eficaz, foi ignorado pelo governo na edição da medida provisória. Por que esses empreendedores, muitos dos quais progrediram, conquistaram mais clientes e multiplicaram empregos, têm de pagar mais impostos?

Para nós cirurgiões-dentistas a situação torna-se ainda mais delicada. Pesquisa qualitativa realizada pela Associação Brasileira de Odontologia do Distrito Federal revela a dificuldade que os profissionais estão enfrentando para manter o consultório. Para muitos cirurgiões-dentistas a saída é o ingresso no serviço público. Se antes o desejo era ser um profissional liberal hoje o sonho e a luta é conseguir ser um funcionário público garantindo assim uma estabilidade financeira mínima para sua sobrevivência. Apesar deste assunto hoje ganhar destaque em todos os meios de comunicação, já é preocupação das Entidades representativas há muito tempo.

A ABO Nacional, ABO-DF, ABO-Taguatinga e demais entidades manifestaram seu repúdio à tentativa do Governo de querer complicar ainda mais a situação. Apelidada de caixinha das maldades e MP transgênica, a MP 232 iria atingir milhares de trabalhadores. Não estamos tratando de um assunto isolado de interesses oportunistas de uma determinada classe profissional. Josés, Antônios, Marias e Franciscas engrossam o coro e fazem do e-mail do cidadão desconhecido o discurso de todos aqueles que conhecem as dificuldades que o Governo impõe para a manutenção da iniciativa privada.