Título: Comissão denuncia tortura
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Fonte: Jornal do Brasil, 12/04/2005, Internacional, p. A7

Grupo reunido pelo próprio governo egípcio alerta para violações constantes dos direitos humanos no país

CAIRO - Divulgado ontem, o primeiro relatório anual do Conselho Supremo para os Direitos Humanos (CSDH) afirma que a tortura, inclusive com choque elétrico, e a prisão de suspeitos sem julgamento são práticas comuns das autoridades egípcias. O comitê, chefiado pelo ex-secretário-geral da ONU Boutros-Ghali, foi criado no ano passado pelo próprio governo do Egito e surpreendeu com o teor crítico das conclusões.

Além das denúncias de tortura, o texto do CSDH pede o fim do estado de emergência no país, imposto pelo Cairo desde 1981.

''Continuar com o estado de emergência gera entre os cidadãos um sentimento de alienação e uma tentação de se manter distante dos caminhos políticos e da participação na vida pública'', afirma o texto.

Segundo o relatório, de 358 páginas, a lei de emergência no Egito permitiu que milhares de membros de grupos islâmicos fossem detidos e mantidos na prisão sem julgamento desde 1990, muitos deles ainda estão presos mesmo depois de completerem as sentenças estabelecidas.

De acordo com grupos independentes que fiscalizam o respeito aos direitos humanos no país, pelo menos 2500 pessoas foram presas sem ter acesso a um advogado e 2 mil permanecem trancafiados sem uma acusação formal.

O texto afirma que suspeitos são submetidos a choques elétricos e jatos de água fria nas delegacias egípcias. Além disso, muitas vezes são pendurados pelos braços ou pelas pernas enquanto recebem surras com cacetetes, chicotes ou coronhas de fuzis.

O CSDH condena e alerta para a morte de 9 pessoas nas prisões egípcias durante o ano de 2004, ''uma lamentável violação do direito à vida''. Ainda, afirma que é uma prática normal das autoridades egípcias prender todo mundo que se encontra na cena de um crime, para torturá-los depois com o objetivo de conseguir alguma informação sobre o fato.

Hafez Abu Seada, secretário-geral da Organização Egípcia para os Direitos Humanos e membro do CSDH, disse que representantes do governo reclamaram da linguagem utilizada no relatório.

- Tentamos escrever de uma forma que refletisse de modo mais real possível a situação dos direitos humanos no país - afirmou.

As prisões levadas à frente depois dos ataques no Sinai, em outubro de 2004, também foram mencionadas. Pelo menos 21 pessoas morreram nos atentados aos resorts da região, freqüentada, principalmente, por turistas israelenses.

Segundo a organização Human Rights Watch, 2400 pessoas foram presas indiscriminadamente suspeitas de planejar ou participar das explosões.

Além disso, estima-se que 140 mulheres também foram detidas posteriormente, quando protestavam na cidade de El Arish contra a prisão de maridos, filhos ou parentes próximos.

O Conselho não teve autorização para fazer investigações independentes, mas passou um ano estudando alegações de abusos feitas pela população por meios oficiais. Ao comparar testemunhos, confirmou que muitas das suspeitas das organizações internacionais são verdadeiras e se repetem nas reclamações contra as autoridades egípcias.

Além disso, o CSDH pediu repetidamente e sem sucesso que o governo respondesse às alegações. Segundo o texto, o Ministério do Interior, que é responsável pela polícia, respondeu apenas 27 de 242 requisições. No que diz respeito a acusações de tortura, foram 3 em 75 processos abertos.

Após o 11 de Setembro, os Estados Unidos têm pressionado o presidente Hosni Mubarak, de 76 anos, que governa desde 1981 e se prepara para um sexto mandato de 6 anos nas eleições deste ano, ao mesmo tempo em que reforça a posição do filho Gamal Mubarak para sucedê-lo.

Washington pede atualmente abertura política ao país que sempre teve apoio da Casa Branca para combater o crescimento do islamismo radical e está entre os três maiores receptores da ajuda financeira oficial americana (junto com Israel e Colômbia).

Nos últimos meses, vários protestos contra a manutenção de Mubarak no poder ou contra a transferência da presidência para Gamal foram organizadas nas cidades e universidades egípcias. As manifestações, encabeçadas pelo Movimento Kefaya (''basta''), têm quebrado o receio do povo egípcio de protestar contra o Cairo.

Segundo organizações internacionais, o governo Mubarak se aproveitou do aval internacional para combater o islamismo radical e usou, com freqüência, a máquina do Estado contra a oposição.