O Globo, n. 31537, 11/12/2019. País, p. 10

Lava-Jato faz buscas na Oi e em endereços ligados a filho de Lula
Dimitrius Dantas
Gustavo Schmitt
Thiago Herdy


Em uma nova fase da Operação Lava-Jato, a Polícia Federal e o Ministério Público investigam pagamentos suspeitos de R$ 132 milhões da Oi para empresas ligadas ao filho do ex-presidente Lula, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha. Segundo os procuradores, parte desses recursos pode ter sido usada para a compra do sítio de Atibaia, também em benefício do ex-presidente. Não foram apresentadas provas que liguem os repasses ao imóvel.

O sítio é pivô de uma das duas condenações já impostas a Lula na Lava-Jato, que tratou apenas do custeio de reformas na propriedade. Lula não é investigado nessa nova fase.

Fábio Luís é sócio de Fernando Bittar, Kalil Bittar e do empresário Jonas Suassuna em pelo menos nove empresas. Bittar e Suassuna aparecem como proprietários dos dois terrenos que, juntos, formam o sítio de Atibaia. Segundo os investigadores, há a suspeita de que Bittar e Suassuna tenham utilizado parte dos valores recebidos do Grupo Oi/Telemar para a aquisição da propriedade.

— A maior parte do dinheiro empregado para a aquisição (do Sítio de Atibaia) pode ter tido origem nos recursos repassados pelo grupo Oi/Telemar para um complexo de empresas criadas por Fábio Luís Lula da Silva, Jonas Suassuna, Kalil e Fernando Bittar — disse o procurador do MPF Roberto Pozzobom.

Na operação de ontem, a juíza Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizou o cumprimento de 47 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Rio, Bahia e Distrito Federal. Ela, no entanto, negou pedido de prisão de Lulinha feito pela PF.

Dinheiro sem justificativa

De acordo com o despacho da juíza, ao analisar as movimentações bancárias de Bittar e Suassuna, o MPF identificou indícios de que o dinheiro usado pelos dois para a compra de propriedades rurais pode ter como origem recursos ilícitos recebidos por intermédio de empresas vinculadas a Oi/Telemar.

Hardt lembrou que Suassuna fez uma transferência de R$ 1 milhão em outubro de 2010 para a aquisição do sítio Santa Denise, nome de registro de um dos terrenos do sítio de Atibaia. A magistrada destacou ainda que os recursos mantidos nas contas de Suassuna tinham como origem transferências de empresas do Grupo Gol, em particular a PJA Empreendimentos LTDA. A empresa recebeu recursos do Grupo Oi/Telemar.

A magistrada lembrou, também, que Bittar movimentou em sua conta recursos originários de empresas como G4 Entretenimento, Gamecorp, Editoral Gol e Coskin, das quais é sócio, para comprar o sítio Santa Bárbara — segundo terreno que integra o sítio de Atibaia —por R$ 500 mil.

De acordo com o MPF, tais pagamentos foram feitos sem justificativa econômica plausível enquanto o grupo Oi/Telemar foi beneficiado por diversos atos praticados pelo governo federal. Os benefícios, diz a investigação, ocorreram principalmente nas mudanças legislativas patrocinadas pelo governo e que permitiram a aquisição, pelo grupo Oi/Telemar, da Brasil Telecom.

— Enquanto fazia isso (defendia mudanças legislativas), realizou pagamentos para a empresa que era sócio o filho do ex-presidente da República para serviços que não foram prestados em muitos casos — afirmou Pozzobon.

Contratos e notas fiscais citadas em documentos que embasaram a operação demonstrariam que as empresas do grupo Oi/Telemar contrataram as empresas de Lulinha sem cotação de preços e com pagamentos acima do valor de mercado, bem como teriam feito pagamentos por serviços não executados, diz o MPF.“Entre 2005 e 2016 o grupo Oi/Telemar foi responsável por 74% dos recebimentos da Gamecorp”, lembrou o MPF, citando uma das empresas de Lulinha.

A Lava-Jato cita também um e-mail enviado pelo diretor de publicidade da Gamecorpe recebido por Lulinha, Bittar e Suassuna, no qual o resultado da empresa é apresentado com a ressalva de que foram excluídos “"números da Brasil Telecom (Grupo Oi) que, por ser uma verba política, poderia distorcer os resultados”.

O caso do sítio de Atibaia levou à condenação do ex-presidente Lula — em primeira e segunda instância —por ter se beneficiado por meio de reformas no sítio pagas por empreiteiras como OAS e Odebrecht. Em fevereiro de 2019, o expresidente foi sentenciado pela juíza substituta Gabriela Hardt a 12 anos e 11 meses de prisão. Em novembro passado, apenado petista foi aumentada para 17 anos, um mês e dez dias de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Reações

Lula criticou a operação: “O espetáculo produzido hoje pela força-tarefa da Lava-Jato é mais uma demonstração da pirotecnia de procuradores viciados em holofotes que, sem responsabilidade, recorrem a malabarismos no esforço de me atingir, perseguindo, ilegalmente, meus filhos e minha família”, escreveu, no Twitter. Lulinha não se manifestou sobre a operação de ontem.

A defesa de Fernando Bittar viu a operação desta terça com estranheza.

— O próprio MPF já reconheceu que o dinheiro para a compra do sítio veio do pai do Fernando e do Kalil. Estranho que esse caso venha à tona justamente agora — declarou Alberto Toron.

Suassuna também não foi encontrado para comentar o caso. Em entrevista coletiva, o diretor de operações da Oi, Rodrigo Abreu, afirmou que a empresa tem colaborado com as investigações do MPF:

— Não cumpre à companhia fazer observações detalhadas sobre nenhum dos fatos investigados pelo MPF. Cabe à companhia fazer processos de auditoria interna e disponibilizar as informações solicitadas pelas autoridades.

Também alvo da operação, a Telefônica informou que vai fornecer as informações solicitadas pela PF.

As duas fontes principais e a busca por provas

Uma cadeira ao lado de delegados e procuradores que anunciaram ontem a nova fase da Lava-Jato bem que poderia ter sido reservada a Marco Aurélio Vitale, ex-diretor comercial de Jonas Suassuna no grupo Gol. É ele a fonte de quase metade das informações que serviram de munição à nova investigação, que mira o mais bem-sucedido filho do ex-presidente Lula, Fábio Luís, conhecido como Lulinha. A outra metade foi obtida em 4 de março de 2016, quando agentes da PF percorreram endereços da família Lula e de Suassuna.

Na esteira da popularidade da Lava-Jato e na condição de testemunha da relação de Lulinha com os sócios Suassuna e irmãos Bittar, Vitale escreveu em livro o que observou na convivência com os ex-colegas. Prestou dezenas de depoimentos à Polícia Federal em Curitiba.

Foi ele quem contou que a Oi pagou R$ 27 milhões por mensagens bíblicas que renderam um faturamento médio anual que mal alcançava cinco dígitos. E outros R$ 25 milhões por serviço de mensagens SMS sobre saúde e bem-estar, também um insucesso comercial.

A revelação sobre a falta de lastro para os pagamentos da Oi impulsionou a suspeita inicial das investigações, segundo a qual Suassuna e os irmãos Bittar atuavam como entrepostos de interesses da família Lula. O fato de Suassuna emitir um cheque de R$ 1 milhão, em 2010, para comprar um terreno contíguo ao sítio de Atibaia, usado pelo ex-presidente, ganhou contorno mais grave. Afinal, é dinheiro que veio de contas abastecidas por dinheiro fácil da “super tele” de Lula.

A PF concluiu, em junho de 2018, pelo indiciamento do filho do ex-presidente, solicitando medidas cautelares contra ele e outros investigados. O MPF e a Justiça Federal demoraram 18 meses para autorizar uma operação, e ainda não está clara a razão da demora. No meio deste caminho aconteceu uma eleição presidencial, equipes da força-tarefa Lava-Jato foram refeitas, mensagens particulares dos celulares de procuradores foram divulgadas e a prisão depois de segunda instância — regra que mantinha preso o ex-presidente Lula — deixou de existir.

O debate sobre a vara de competência para tramitação do caso também entrou nessa equação. A dúvida ficou entre o Rio, sede do Grupo Gol e da Oi, e Curitiba — origem da investigação sobre a Andrade Gutierrez, controladora da tele.

Oficialmente colaboradora da Lava-Jato desde 2015, quando pagou multa de R$ 1 bilhão, a empreiteira assumiu o compromisso de promover investigações internas e esclarecer pontos trazido por investigadores. Desde então, nega ter informações a prestar sobre as relações entre Lulinha e Suassuna. Otávio Azevedo, ex-executivo, assinou um chamado “anexo negativo”, documento em que atesta não ter conhecimento de ilícitos relacionados ao episódio.

Ex-executivos da empresa citam os pagamentos ao filho do ex-presidente e seus sócios como apostas comerciais malsucedidas. A PF e o MPF sustentam que pagamentos podem estar relacionados à ação executiva do presidente Lula que permitiu a fusão da Oi com a Brasil Telecom. Até aqui, ainda não há documento que comprove a tese. “Temos que aguardar o resultado das buscas, amadurecer esta investigação neste aspecto”, disse o procurador Roberson Pozzobon. Obter essa prova é atualmente o maior desafio da investigação.