Título: O que está sendo ocultado?
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 12/04/2005, Outras Opiniões, p. A11
Esperemos que de amanhã não passe. Que o Supremo Tribunal Federal não protele o veredicto sobre Henrique Meirelles, e com isso se recupere de decisões recentes, quando muitas dúvidas ficaram sobre os critérios ali prevalecentes - se os essencialmente jurídicos, ou se os de clara conotação política.
O fato de o Procurador Geral da República, Claudio Fonteles, ter acatado o processo investigativo do Ministério Público, que já ia avançado nas denúncias de sonegação fiscal e evasão de divisas contra o presidente do Banco Central, foi um salto qualitativo. A partir daí, e a despeito da decisão sobre a constitucionalidade da medida provisória que tentou blindá-lo, Meirelles não escapa do constrangimento. Só restaria a definição de instância, pois é inimaginável que algum magistrado peça vistas, para que mais uma obstrução sem prazo se inicie. Seria acintoso demais. Sendo a MP constitucional, o Supremo assume as investigações. Não sendo, baixa para juízo de primeira instância.
Mas como ressaltamos acima, por conta do retrospecto é preciso estar atento. Na ação de inconstitucionalidade contra o leilão para licitação de áreas de exploração de petróleo por empresas multinacionais, voto muito bem fundamentado do ministro Marco Aurélio, com argumentação jurídica primorosa, em defesa dos interesses nacionais, já havia sido derrotado graças à manobra inicial do ministro Eros Grau. O mesmo Grau que, na cobrança dos aposentados, já havia contestado sua própria opinião anterior, documentada em texto amplamente divulgado, e votado pela constitucionalidade da matéria. Tudo sob aplausos do Executivo.
A sessão de amanhã no STF é, portanto, singular. Os indícios contra Henrique Meirelles são irrespondíveis, mas há a movimentação intensa, e preocupante, do Planalto, em sua defesa. A declaração pública, mais do advogado do que do ministro Marcio Thomaz Bastos, contra o parecer de Cláudio Fonteles - ''inconsistente'' - mostra que o governo vai jogar pesado. E deve ter suas razões não reveladas para isso. Como manter um ministro sob investigação criminal?
O cenário não pode deixar escapar a questão fundamental: a que compromissos estaria se submetendo o governo petista para chegar ao ponto de proteger, com todo o desgaste político daí conseqüente, a permanência, não só de Henrique Meirelles, como também, de Romero Jucá? Afinal, são dois nomes estranhos ao ninho doutrinário petista. Jucá é cria da ditadura e foi um dos mais histriônicos líderes do governo FHC. Meirelles renunciou a um mandato de deputado pelo PSDB de Goiás, cuja campanha foi assustadoramente exemplar quanto a abuso de poder econômico, para se tornar ''companheiro''- presidente do Banco Central. Ambos estão envolvidos em pendengas judiciais que não se imagina poderem ser levianas. Quando condestáveis não conseguem se impedir de chegar às barras dos tribunais, é porque algo de muito grave está ocorrendo.
Visando impor Meirelles em seu cargo, o presidente Lula já não havia hesitado em mobilizar seus chefes de fila, no PT, para expulsar a senadora Heloisa Helena, que se recusara a referendá-lo no Senado.
Visando manter Jucá, já acionou José Dirceu, que também é advogado, e fez declarações peremptórias no encontro de domingo, em que sua tendência partidária se definiu oficialmente pelo neoliberalismo. O denunciado por apresentar sete fazendas inexistentes na cobertura de um empréstimo não quitado de R$ 16 milhões, com banco oficial, ''apresentou ao governo, antes de ser indicado, a existência dessas questões''.
Ou seja, desde que avise com antecedência, estar em apuros por suspeita de meter a mão na cumbuca oficial não incapacita um político de se tornar ministro de governo petista. Pelo menos é o que se depreende da resposta seguinte do próprio José Dirceu, na mesma matéria do JB de domingo: ''O governo não pode demitir um ministro ou o presidente do BC a partir de uma denúncia''.
É verdade, dirá o senso comum, pelo menos enquanto ela for vazia. O que não corresponde ao caso de nenhum dos dois em pauta. Em ambas as situações, estamos diante de denúncias repletas de sinais comprometedores. Que, tratadas com arrogância, podem produzir seqüelas bem mais graves que as deixada pelo capítulo Waldomiro Diniz. Podem pôr a nu os acordos secretos.