O Globo, n. 31537, 11/12/2019. Opinião, p. 2

Ameaça a direitos na rede está na pauta do Supremo


Como qualquer produto de uma revolução tecnológica, a internet provoca impactos que levam a amplas discussões sobre a adaptação de padrões seguidos pela sociedade. Um deles, normas legais, princípios jurídicos, porque nesses momentos direitos e deveres estão em jogo.

Está na agenda do Supremo Tribunal Federal (STF) uma dessas controvérsias, sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece a norma aparentemente pacífica de que as empresas do ramo — Facebook, Google e seus diversos serviços como Instagram, YouTube etc. — só estão obrigadas a retirar qualquer conteúdo de suas plataformas digitais se a reclamação feita contra ele for aceita na Justiça.

Mas esta não é uma questão simples, devido ao poder e ao alcance dessas plataformas, com desmesurada capacidade de produzir estragos na imagem de pessoas e instituições, assim como de amealhar incalculáveis receitas sobre o que veiculam, mesmo de forma eticamente deplorável.

Em muitos países vigora o mecanismo do “Notice and Take Down”, em que a empresa da internet passa a ser corresponsável por danos causados pelo conteúdo, a partir do momento em que for notificada da reclamação. Não está obrigada a retirá-lo de circulação, mas fica sabendo dos riscos legais e pecuniários que corre caso a demanda contra o material seja aceita pela Justiça.

Não há, portanto, censura prévia, o que seria inconstitucional. Ao contrário, é pedido ao Supremo que reafirme a validade do artigo 5º da Carta, o das garantias individuais. O mesmo mecanismo do “Notice and Take Down” está no Marco Civil da Internet, em capítulo que aborda a difusão de atos sexuais e de cenas de nudez. Defende-se tão somente a extensão ao mundo da internet da mesma corresponsabilização a que se encontram sujeitos os meios de comunicação na difusão de notícias e opiniões.

O julgamento que será feito pelo STF coincide com a crescente consciência de que redes sociais, como o Facebook, são comprovadamente usadas para interferir em resultados eleitorais, por meio da manipulação do voto de pessoas susceptíveis a determinado tipo de mensagem, identificadas sem que elas saibam, em garimpagens eletrônicas que essas empresas fazem em gigantescos bancos de dados com informações privadas dos internautas.

Os americanos despertaram para o problema a partir da comprovada interferência russa na eleição de Trump em 2016 e na vitória da proposta de retirada da Grã-Bretanha da União Europeia, o Brexit, no mesmo ano, por uma pequena margem. A manipulação digital está documentada.

Este julgamento no Supremo já tem relevância por tratar de direitos individuais estabelecidos na Carta. E no atual contexto mundial que envolve a internet, cresce ainda mais de importância.