O Globo, n. 31479, 14/10/2019. Opinião, p. 2

Acordo mostra que reforma tributária é possível



A melhor saída é política, mostrou o Legislativo na semana passada ao capitanear um acordo entre estados e municípios sobre o rateio de parte dos recursos do leilão de petróleo do pré-sal, a ser realizado no próximo dia 6.

Do resultado do leilão de áreas localizadas no litoral fluminense, cujo valor é estimado em R$ 106,56 bilhões, estavam em jogo cerca de R$ 20 bilhões, fatia reservada aos governos de 26 estados, do Distrito Federal e de 5,6 mil prefeituras.

Havia um impasse. O Senado aprovara um texto que privilegiava, na partilha financeira, estados e municípios das regiões Norte e Nordeste. Houve forte reação, principalmente do Sudeste. A Câmara recebeu o projeto e liderou uma negociação que foi rápida e acabou bem-sucedida.

O resultado político alcançado na partilha dos recursos do petróleo aplaina o caminho para a possibilidade de um entendimento similar sobre a reforma tributária — provavelmente a questão mais complexa a ser decidida pelo Congresso nas próximas semanas.

Na disputa pelo dinheiro do leilão de petróleo, prevaleceu a compreensão de que o acordo era o melhor para a Federação. A perspectiva de receita extraordinária deixou ávidos governadores e prefeitos, que gerenciam administrações virtualmente falidas.

Foram estabelecidos critérios para gastos, com prioridade às despesas previdenciárias públicas. Elas estão na raiz da iliquidez estatal. Já obrigaram a decretação de calamidade financeira em seis estados este ano.

Pelo acordo, os recursos serão distribuídos em duas parcelas — uma ainda este ano e outra no próximo exercício fiscal. Os estados e o Distrito Federal podem usar esse dinheiro, exclusivamente, para saldar compromissos com a previdência dos servidores, inclusive das empresas estaduais, exceto aquelas que possuem receita própria e não dependem de repasses do Tesouro.

Governadores devem criar uma reserva financeira específica para pagar a Previdência a vencer até o exercício financeiro do ano seguinte ao da transferência dos recursos pela União. Essa reserva não precisa, necessariamente, ser realizada com os recursos repassados. Já os prefeitos não têm obrigação de criar uma reserva de custeio da previdência para poder usar o dinheiro em investimentos.

Onde existia impasse, fez-se acordo. É natural que, agora, União, estados e municípios avancem à etapa seguinte, a da negociação da reforma tributária, a partir da simplificação de um sistema que se retroalimenta com a edição de 34 novas normas por dia, em média, há duas décadas.